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Texto - Tempo, coleções e memórias, por Inorbel Maranhão Viégas

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • há 17 horas
  • 3 min de leitura

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de texto com o jornalista, escritor e poeta de Brasília (DF), Inorbel Maranhão Viégas, com Tempo, coleções e memórias/


Tempo, coleções e memórias


O Resto da noite se despede. Fim da madrugada abre espaço para o dia.


Leio no jornal, enquanto o sol da manhã invade pela janela o ambiente da sala, que o Dr. Drauzio Varella se prepara para correr sua vigésima sexta maratona, aos 82 anos.


“Corro para me sentir mais produtivo e ter mais disposição para tudo. Na minha idade é arriscado fazer previsões. O que menos me importa é o tempo” diz ele ao jornalista.


A frase me faz lançar luz ao meu próprio tempo. Em 2019, ano anterior à pandemia de COVID, participei de 22 corridas de rua.


As medalhas que conquistei por esses feitos, cuidadosamente organizadas na parede à entrada do meu quarto, configuram um hábito antigo que tenho de cultivar coleções.


Hoje, elas são poucas. Além das medalhas, coleciono livros, quadros nas paredes, umas poucas gravatas borboletas e memórias.


A frase do Dr. Drauzio me provoca. E eu reflito não só sobre corridas, mas essencialmente sobre a relação com o tempo. E por que não, sobre a memória.


A pandemia foi como uma espécie de freio de mão puxado às pressas, sem aviso, na trajetória veloz do mundo. E na vida de todos.


A um custo caro de medo e mortes, o silêncio e o isolamento se impuseram em escala global no cotidiano das pessoas.


Tempo de ruas vazias, tristeza e incertezas expandidas. O preço do descontrole humano foi alto. Mas a natureza, em certa medida, agradeceu.


Por um curto período, os oceanos estiveram mais limpos, animais e pássaros se sentiram mais livres, rios e plantas ocuparam espaços anteriormente áridos.


Pessoalmente, tive perdas e ganhos. Perdi medidas do corpo (quem não?) e taxas que asseguravam a qualidade da saúde.


Mas ganhei uma parceira de vida. Parceria que virou casamento, fruto do amor que transformou e deu mais sentido à minha estada neste plano.

A ideia inicial, diante no novo momento do mundo, era que Preta passasse os primeiros quinze dias de isolamento em minha companhia.


Ninguém se arriscava a imaginar que a pandemia se estendesse por tanto tempo.

E, dos quinze dias iniciais, caminhamos agora para oito anos de vida conjunta, intensa, farta de amor e aventuras.


Dias antes da OMS decretar a pandemia de COVID, nos inscrevemos para participar de uma corrida de montanha, na Cordilheira dos Andes, no Chile.


Era fevereiro de 2020. Chegamos a Santiago e fomos para o local da corrida. Partimos de 2.500 metros de altitude e percorremos 8 do total de 15 km que a jornada previa.


Uma conquista e tanto para duas das nossas coleções mais preciosas: a de medalhas e a de memórias.


O tempo, de novo ele, bate à minha porta e me traz para o presente. Deixo a reflexão de lado e olho pro dia.

O sol, lá fora, ainda não é suficiente para aquecer o frio das manhãs do outono mais gelado de Brasília nos últimos anos. No relógio sem ponteiros, as sete horas se mostram luminosas. Hora de preparar o café. Resisto e volto à reflexão.


Não faz muito, superamos, eu e preta, os graves problemas de saúde que enfrentamos depois da pandemia.


Resgatamos a forma física e os bons marcadores de saúde. O que nos permitiu uma nova e histórica jornada: percorrer os 800 km do caminho de Santiago de Compostela, em 32 dias de caminhada.


Tenho certeza de que não alcançarei o número de maratonas feitas pelo Dr Drauzio. Mas, sigo uma cartilha da vida muito próxima a dele. Dou ao tempo a importância que lhe cabe. Nem mais, nem menos.


Enquanto exercito corpo e mente me torno mais produtivo e melhor em tudo.

Respeito a passagem do tempo e as marcas que ele vai nos imprimindo muitas vezes, é verdade, sem que se peça.


E busco fazer dele um aliado. De novo, minha mania de colecionar memórias me provoca uma sinapse.


Viajo no tempo enquanto ouço na mente a poesia/ canção de Aldir Blanc que Nana Caymmi eternizou.


Os acordes vêm suaves. A letra intensa, como um golpe de peixeira no ar, provoca o tempo:

“no fundo é uma eterna criança que não soube amadurecer

Eu posso, ele não vai poder

me esquecer”


A água ferve. Elevo a chaleira e a derramo sobre o pó. Em poucos segundos o café está pronto. Desfruto. À exata medida que o tempo me dá.


Inorbel Maranhão Viégas

Brasília, 20/05/25

 
 
 

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