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Reflexão - Diário de uma Idosa 293, por Joana Prado Medeiros

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • há 6 horas
  • 3 min de leitura
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Quarta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de texto de reflexão com a professora universitária, historiadora, poeta e escritora de Dourados (MS), Joana Prado Medeiros, com "Quando morre o pai/màe - a família se revela...".


QUANDO MORRE O PAI/MÃE - A FAMÍLIA SE REVELA...


Eu gostava de brincar com a réstia do sol que vinha dos furos do telhado da varanda da casa da minha avó, do furo da janela de madeira, fechada com tramela, da rachadura da porta, da cumeeira do telhado...Era como se fosse um halo... É um feixe de sol, com uma luz difusa e linda. Severina, aquela que nos representa, também gostava dessa brincadeira, e quando a mãe de Severina morreu, partiu junto com ela toda sua família (ela não tinha mais irmãos, tinha tios/as e primos/as, sobrinha, cunhada). Faz nove anos que sua mãe se foi, e nesses nove anos sumiram todos, exceto um primo que reside quase 500 km de sua casa; este foi um dia lhe visitar. Também Severina é a última a saber sobre qualquer acontecimento familiar (inclusive sobre morte), batizado, casamentos, acidentes e doenças. Esteve presente em um almoço de batizado meio que por acaso. Quando o pai de Severina faleceu, ele deixou uma pensão gorda para a sua mãe; e mesmo assim, ela descobriu que alguns falavam mal dele e aplaudiam a sua mãe, como se não fosse ele que manteve seu trabalho até se aposentar. Claro, Severina sabe que sua mãe teve o mérito de ajudá-lo sempre. Quando o irmão de Severina morreu, ainda muito jovem, ele foi julgado e sentenciado; o guri vivia tirando rachas e corria em seus autos, e a sua mãe foi culpada, pois "dava" carros para ele...E o menino morreu, em um sábado à tarde, correto, e a sua jovem esposa recebeu até indenização; ele morreu na preferencial, em baixa velocidade, morreu iniciando uma faculdade e tinha passado em um concurso para Agente Fiscal Tributário Estadual. Iria tomar posse do cargo daí a 15 dias; o salário era bom, suficiente para deixar o cavalo na sombra. A mãe do menino perdeu o filho, a nora e a neta, pois elas a visitavam e ficavam algumas horinhas e, posteriormente, foram sumindo, sumindo, sumindo... No desespero (no transcorrer destes nove anos), Severina, em situações de doenças, contou com a ajuda, pós um pedido "bem pedido"; ela pediu socorro de dois primos, um tio e uma tia, em situações separadas e espaçadas. O luto de Severina, Adelaide, e tantas Marias, Antônio, Manoel e José e Joana, vem acompanhado de decepções e descoberta de desamor. A questão é que precisamos nos atentar sobre estes fatos... Colocar o dedo na ferida e expor o sangramento, desse sangue disfarçado de amor e encoberto de hipocrisia. Além da dor, da saudade, da mudança visceral, da trabalheira com o inventário, com a documentação e custos fúnebres e, às vezes, hospitalares, temos que lidar com o isolamento, com a lacração, fofocas, pedidos de explicações por que estamos assim ou assados, perguntas indiscretas ("onde fulano foi morar?" - (na pqp), julgamentos, sentenças, distâncias de todas as formas, invejas, disputas, roubos, etc e etc. Uma preciosa amiga de Severina ainda lhe disse: "Agora você vai aprender a viver, pois você nunca conquistou algo sozinha" (como se fosse possível conquistar algo só); "você sempre teve sua mãe" (como se ela não tivesse pai e mãe). Severina entendeu, chorou, sorriu e chora ainda, e pensou: "Aposentei por meus anos trabalhados, estudei por méritos meus e com a ajuda de todos". Chorou, e então, descobriu narrativas de vidas que mostram centenas de casos em que, quando os pais vão embora, os filhos se distanciam e brigam entre si e, vez por outra, se reúnem e as mazelas quebram até os enfeites de natal. Irmãos brigando. Então, Severina suspira e volta a procurar frestas de sol pela casa, réstia de sol em suas janelas...Feixe de luz pelas frestas da solidão.


(Joana Prado Medeiros - 26/11/2025 - Direitos Autorais Lei 9.610/98).

 
 
 
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