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Reflexão – “Minha cidade era assim”, por Pedro Sergio Lima Ortale

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • 5 de fev. de 2021
  • 3 min de leitura

O músico e ex-presidente da Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul, hoje residindo em Fortaleza, Pedro Ortale mostra em sua bela reflexão “Minha cidade era assim” essa bela viagem com nomes, lugares e lembranças de Campo Grande (MS).

Tenho um amigo de muitos anos, o poeta Emanuel Marinho, que escreveu sobre Dourados (MS), cidade que até poderia dizer que foi minha por algum tempo. Afinal, foi para Dourados que eu e todos de minha família nos mudamos em meados da década de 1960. Período conturbado, quando se avizinhava mais um dos hiatos em nossos respiros democráticos! Me lembro de estar em algum lugar na cidade de Barretos, onde eu morava, e meu pai exclamar: é a revolução! Isso deve ter sido no ano de 1964, eu com 4 anos de idade. Mal sabia que a revolução na verdade era um golpe militar instalado com pele de salvaguarda diante da ameaça comunista. Isso com a complacência de uma parte da população brasileira, que ainda hoje enxerga canibalismo em comunista.

Retomando ao que o Emmanuel escreveu me veio a imagem de Campo Grande (MS), a cidade de meus afetos consolidados. Quando viemos para Dourados, em 1967, Campo Grande era o símbolo do desenvolvimento. Entre a década de 1960 a 1980, parte de minha família morou em Campo Grande. Uma de minhas irmãs estudou lá, eu fiz o primeiro ano do segundo grau no Colégio Dom Bosco - a cidade era nossa meca referencial.

Me lembro que na rua Maracaju passava um córrego, a rua era cortada por um córrego!!!! Uma pena que em alguns aspectos a gente não permaneça no “atraso”. Acho que era o Prosa ou o Segredo, um desses dois. Muito tempo depois fiquei sabendo da historia dessas aguas, que literalmente banharam – e no subterrâneo agora estão – os que ali se achegaram. Naquelas aguas, entre prosas e segredos, estavam sendo constituídos os pilares que edificariam a cidade de Campo Grande. Entre prosas e segredos, entre sonhos contados e identidades escondidas. Me lembro claramente de ter que passar pinguelas pra atravessar o córrego na rua Maracaju.

Do mesmo modo como o Emmanuel Marinho, acredito eu, tenho também Campo Grande como ele contou sobre Dourados, com o texto “Minha cidade era assim”. Talvez sejamos melancólicos ou instigadores de realidades passadas, passando novamente o passado a limpo. Hoje, morando fora de Mato Grosso do Sul por contingência profissional, penso sobre Campo Grande como meu território de afeto – em meu marco temporal particular. Acho que a cidade foi – ao longo do processo de crescimento – sendo tratada dentro da lógica do que se pensa, de modo geral, sobre agrupamentos urbanos. Nessa direção, os vários atores que puderam atuar sobre esse cenário empreenderam suas marcas, suas concepções acerca do progresso. A cidade moderna. Diante disso, temos o que é hoje Campo Grande, uma cidade arborizada, com vias largas, ao menos no centro, aparentemente bacana. O remodelamento pelo qual a cidade vem passando, em sua estrutura, sua conformação, reflete os modelos de gestão e o pensamento dos gestores sobre essa questão. De modo geral, acho que minha cidade cresceu no formato que se poderia dizer “estilo conservador”. Os córregos foram calados com cobertura de asfalto, os trilhos por onde passaram tantos que seguiram rumo a Santa Cruz de La Serra, foram aniquilados, juntamente com todo o patrimônio arquitetônico, que é a memória material, ponte que permite a vida da imaterialidade.

Não estou aqui a tratar sobre saudosismo, mas falar um pouco sobre minha cidade. Campo Grande conheci com clássicos entre o operário e o comercial, com o grupo Acaba, o Terra e tantos outros. Conheci o Prosa e o Segredo a céu aberto, de boca aberta, conheci até o Alhambra, o Pantanaliadança e tantos movimentos. Os trilhos que tanto nos posicionaram como cortadores de caminhos no pantanal.

O tempo passa pra todos, inevitavelmente, mas precisamos de pontes, não do ministro que ai está, que dialoguem com o nosso passado, que um dia se fez presente. As aguas, agora cobertas pelo asfalto, ao menos poderiam estar limpas pra seguir em silencio seus percursos e, na surdinha, banhar os meninos e meninas de minha cidade. De modo algum quero o passado de volta. Apenas acho que ele deve estar presente em minha cidade e balizar e aninhar nossos trajes e trajetórias. Somos feitos de vida e memória.

Amo Campo Grande, minha casa.


 
 
 

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