Poesia - Roupa de Árvore, por Isaac Ramos
- Alex Fraga
- 26 de mai.
- 2 min de leitura

Segunda-feira no Blog do Alex Fraga é dia de poesia com o professor universitário, poeta e escritor de Campo Grande (MS), Isaac Ramos, com "Roupa de Árvore".
ROUPA DE ÁRVORE
(Isaac Ramos)
Para tratar de poesia é preciso falar de imensidões.
Como periquitos que (re)vestem a roupa de árvore
E consomem folhas em multidão.
Os seus voos de fim de tarde
Causam melhor alucinação
Que qualquer esquadrilha de fumaça.
Fazem poses com o cântico no bico
E, nesse balé ensandecido, triplicam
A energia da estação mais quente do ano.
Brotos de palavras são trazidos nos trinados,
Que se aninham, solenemente,
Ao descer a cortina do pôr-do-sol.
Nesse cântico tecido, a folhas tantas da poesia,
Estendem uma música animada
Que se esparrama até o luar.
Aninhados em gorjeios,
Periquitos travessos
Executam suas partituras únicas.
Com os olhos vidrados nos voos rasantes,
Noto a conversa de um casal deles.
E, no espaço aéreo de um fim de tarde,
Presencio uma efêmera descoberta,
Dentro de uma piscina de borda infinita:
Se o periquito é macho,
A poesia que dele emana é fêmea.
Assim sendo eu me aninho em gorjeios:
Pela missão da poesia
Pela emissão do olhar.
Coloco meu protetor de ouvido,
Os óculos de natação,
Entro na água e me sinto um poeta perdido.
Fatigado da solidão inconstante,
Faço um pedido de versos perfeitos.
Mas um verso perfeito, depois do balé dos periquitos,
Não existe mais.
Soa longe meu pedido
De um poema infinito
Retirado da cartola.
Se nem os periquitos sustentam,
Infinitamente, seus cânticos,
Como provocar encanto através de versos fugazes
Que são folhas secas imagéticas?
Quem assegura que o poema se sustentará
Após o desfolhar do ritmo das palavras?
Talvez, seja melhor camuflar o amanhã,
Sabidamente, como periquitos arvorados.
E na alvorada do silêncio do amanhã,
Cabralinamente possa cantar:
Que um poeta só
Não tece um(a) manhã.
É preciso que outros poetas (acon)teçam
Para que o sol da poesia (per)doure.
Afinal, a gente é feito de rascunho.
E não é qualquer metáfora que pode ser passada a limpo.
Vou ali estender o gorjeio para ser pássaro.
Entardecer faz bem para a poesia.
"Periquitos que revestem a roupa de árvore". Adorei a metáfora, o poeta foi muito feliz (e nos deixou agradecidos) ao criá-la. Viva o poeta e a sua poesia