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Poesia - Naufrágios, por Raquel Naveira

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • há 1 dia
  • 2 min de leitura

Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de texto com a escritora e poeta de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com "Naufrágios"


NAUFRÁGIOS

Raquel Naveira


Relendo “Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada”, de Pablo Neruda, livro inesquecível com comparações fortes para expressar a dor, a angústia, a solidão, o abandono, deparo-me com esses versos: “Tudo que o bebeste, como a distância. Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!” Belo e trágico. O cenário é de tempestade, ruínas, escombros. As cores sépias do crepúsculo. A sensação de declínio e fracasso.

Naufrágio...a embarcação naufragou como o Titanic naquela madrugada gelada do dia 15 de abril de 1912, no Atlântico Norte, quatro dias após o início de sua viagem inaugural. Fazia o trajeto Inglaterra-Nova York. O mar era de vidro. A velocidade era a máxima nos motores de pistão. Os corações dos milionários e dos pobres imigrantes pulsavam no sonho de alcançar a América. Raspou no iceberg flutuante, resto de calotas polares. Mergulhou de ponta no que antes era calma profunda e cristalina.

Nos relatos bíblicos, encontro dois naufrágios: o de Paulo, na ilha de Malta, quando ele ia como prisioneiro a caminho de Roma. Ali foi acesa uma fogueira para aquecer os passageiros do frio e da chuva. Paulo foi mordido por uma cobra venenosa que caminhava entre a lenha, uma víbora. Também uma víbora me mordeu. Era o meu passado, que atirei violentamente nas chamas.

O outro naufrágio foi o de Jonas, depois de desobedecer às ordens de Deus para ir à cidade de Nínive. Foi empurrado pelas vagas, cercado pelas ondas da morte, a cabeça enrolada por algas, até ser engolido por um grande peixe.

O que me levou a naufragar, nesse último revés da vida? Ambições frustradas? Egoísmo? Arrependimentos? Não ter tido coragem para partir? Velhice? O fato de chorar por tudo que já fui e não sou mais?

Naufraguei porque aquele a quem amei infinitamente me tratou com insultos. Porque me desviei e caí nas rochas. Não entendo a razão desse ataque selvagem do Mal, eu que sempre usei a palavra como bússola.

Como colidiu o casco de meu navio com as paredes duras do penhasco? Como minhas esperanças soçobraram nas águas em forma de troncos de árvores?

Fraca e pequena, fui atirada na praia. Estou viva. O corpo iluminado pelo brilho dos pirilampos. Coberta de sangue e espuma. Em mim, ficou apenas o essencial.

 
 
 

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