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Entrevista - Paulinho Robson: "Pacíficas" homenageia João Pacífico e fala de coisas boas e leves"

Entrevista no Blog do Alex Fraga é com o idealizador do álbum "Pacíficas", o músico, cantor, compositor e professor universitário Paulinho Robson que faz uma homenagem a um dos maiores compositores da música caipira do país: João Pacífico. Esse trabalho musical está sendo lançado neste dia 26 de agosto em todas as plataformas digitais. "Pacíficas" tem a participação especial do letrista Eduardo Ramirez e do músico Béko Santanegra. Ao todo são sete obras musicais especiais mostradas com muita leveza esse belo álbum. Paulinho Robson fala tudo sobre "Pacíficas" desde o início de sua criação e temas fortes como por exemplo o feminicídio.

Blog do Alex Fraga - Conte como surgiu a ideia de homenagear um dos mais importantes nomes da música caipira do Brasil, João Pacífico?

Paulinho Robson - Por volta de 2017 assisti a um documentário na TV Educativa de São Paulo que contava a história do João Pacífico, com cenas dos seus últimos dias em um sítio de um casal de fãs no interior de São Paulo e imagens de várias fases da sua vida. Eu fiquei muito impressionado com o jeito de ele escrever músicas. Não me lembro se nesse documentário ou se nas pesquisas seguintes, eu soube de uma técnica que ele usava para compor: João tamborilava os dedos numa mesa como se fosse um piano, para dar o ritmo, a cadência, já que não tocava sequer um instrumento. Enfim, até então eu conhecia várias das suas músicas, mas não sabia que eram de sua autoria - como aliás acontece com a maioria dos compositores brasileiros. Foi então que eu tive a ideia de fazer algum tipo de homenagem musical, até porque as novas gerações pouco o conhecem, embora conheçam boa parte de sua vasta obra. As duas das primeiras ideias que me surgiram foram as canções "Naquela mesa caipira" e "A outra cabocla Tereza". Na primeira, retrato parte da sua história e do seu processo criativo, e também cito algumas das suas composições. Já em "A outra cabocla Tereza", como o próprio título indica, tive como propósito dar um novo fim para a mais triste história da música caipira raiz, ou seja, o feminicídio de uma cabocla por ciúmes. Nessas minhas pesquisas eu fiquei sabendo que, na verdade, o nome "Pacífico" do nosso João é somente nome artístico, quando eu pensava que fosse o seu sobrenome. Acho que foi daí que eu tive a ideia de trazer o seu nome para o título deste álbum, já que as pessoas o chamavam de Pacífico como um adjetivo por sua personalidade tranquila. Aí pensei: "Pacíficas" vai ter duplo sentido: homenagear o João e falar de coisas boas e leves emprestando elementos típicos da música caipira, também chamada por alguns de sertaneja raiz.

Blog do Alex Fraga - Ao todo são sete canções nesse álbum intitulado "Pacíficas". Comente como foi todo o processo de criação das músicas? Paulinho Robson - Em primeiro de janeiro de 2018 eu me desafiei pela terceira vez a escrever um poema ou, pelo menos, um verso em todos os dias do ano. Foi nessa brincadeira criativa – uma prática para aplacar minha ansiedade crônica –, que eu escrevi a letra de "Morena da Porteira" (até hoje sem melodia!) e gravei os primeiros esboços melódicos de "O menino no espelho", "Reisado" e "Príncipe" logo depois de concluir suas letras dentro desse auto desafio. Sou péssimo em datas mas, consultando os manuscritos daquele ano, tenho certeza que a maioria foi escrita nesse período, pois no rodapé de diversos poemas aparece a expressão "para o EP Pacíficas" (na época eu achava que escreveria apenas três ou quatro músicas para esse projeto). Ainda nos primórdios do projeto achava que eu deveria dar dois enfoques: , homenageando-o; e também resgatar o tempo que ele viveu o auge da carreira ̶ que em parte coincide com minha infância na roça, na Piabanha (localizada no vale do Rio Pardo, entre Itapetinga e Itambé, na Bahia). Assim, há uma música que resgata as rancheiras de origem mexicana, com todos aqueles metais, comuns nos anos 50 ("Sabedoria do ipê"), e músicas autobiográficas tais como "Príncipe" (sobre um cavalo baio do meu pai) e "O Menino no espelho", que se refere a uma música que eu cantava inteirinha para as visitas, quando tinha quatro ou seis anos de idade. Uma curiosidade: a instrumental "Valsa para Eduardo", acho que fiz a melodia em fevereiro de 2019 e ofereci para o parceiro Eduardo Ramirez por letra, mas até hoje a letra não saiu. Mas o nome ficou (risos)!

Blog do Alex Fraga - No álbum tem dois convidados especiais: Béko Santanegra e Eduardo Ramirez. Fale dessa parceria

Paulinho Robson - Vamos por ordem de chegada (risos). O Eduardo Ramirez é meu parceiro contumaz, pois há oito anos fazemos parte do divertido grupo Terça das Quintas, que se dedica a compor quase todas as quintas. Porém, quando abordei a questão do feminicídio em "A Outra Cabocla Tereza”, não me veio à mente o compositor do Terça, mas o Eduardo pesquisador, o profissional das Ciências Sociais e colega da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul que se dedica aos estudos culturais, intergeracionais e direitos humanos. Comungamos a crença de que é necessário o respeito às pessoas de todas as idades, gêneros e credos. Foi essa afinidade de pensamento que me fez chamá-lo para contar um novo final para a triste história da mais famosa cabocla do cancioneiro popular do Brasil. Para nossa sorte, coincidiu de esta música estar sendo lançada no Agosto Lilás, mês dedicado ao enfrentamento à violência contra as mulheres. Já o Béko, ele me foi apresentado pelo saudoso Mestre Galvão, violonista e compositor genial que vivia me socorrendo na harmonização, me ensinando noções de mixagem e finalizando minhas gravações caseiras. Com sua partida, naturalmente passei a recorrer ao seu grande amigo. Atualmente é o Béko que faz tudo isso; é quem segura meus exageros nos arranjos, cortando frases (dos instrumentos musicais) aqui e acolá, enfim, lapidando o trabalho para que tenha qualidade fonográfica e mais leveza. Eu digo brincando que, mesmo sendo careca, Béko passou a ser o rei do pente fino! Além desse refinamento, Béko Santanegra emprestou sua voz para "Reisado". Cantando em quinta, sua participação aproximou mais ainda esta obra do que eu havia pretendido, que seria dar relevância à rica cultura do Reisado, divulgando o modo de fazer e os instrumentos dessa manifestação folclórica que povoa minhas lembranças de infância.


Blog do Alex Fraga - Por que artistas com um trabalho cultural de relevância como João Pacífico entre outros são praticamente esquecidos?

Paulinho Robson - É prática comum no Brasil se desconsiderar a autoria das músicas. Inclusive, são poucos os radialistas que citam os autores da composição por eles tocada. Infelizmente, quase sempre o cantor ou cantora que nada escrevem são considerados os autores. Isso me faz lembrar um causo famoso que foi contado pelo Boldrin na TV Educativa, sobre um caboclo que vende dois canários, sendo que o que não canta é o triplo do preço porque é o compositor (risos). Essa piada nos traz à lembrança de que não existe intérprete sem o compositor, embora, evidentemente, o intérprete seja imprescindível, pois dá vida à obra que dormia esquecida na gaveta. Os dois são importantes, são fundamentais nas bases da cultura musical de qualquer país. Além desse motivo, creio que o próprio tempo (JP viveu seu auge "num tempo sem televisão"!) e as profundas alterações no mercado musical brasileiro concorreram para que artistas do porte de João Pacífico sejam relativamente desconhecidos da maioria dos nossos jovens. A impressão que tenho é que o imediatismo/comercialismo e a facilidade de se produzir e divulgar músicas de baixa qualidade via mídias sociais acabam possibilitando que músicas ruins ocupem os espaços que poderiam ser melhor aproveitados por trabalhos bem elaborados. Aliás, tenho clareza de que a música de entretenimento é necessária; bastam algumas onomatopeias, algum senso de humor e domínio de metrificação e prosódia para se fazer uma música para sacudir o prédio de um bailão. Músicas de consumo (digamos assim) devem existir, são necessárias! Mas o que dói é ver a música de qualidade, como a obra do JP e de tantos outros, cada vez mais perdendo espaço nas mídias em geral e até em rádios educativas. Não é à toa que, na música "Naquela mesa caipira", eu afirme que o João é o Tom do Sertão, uma clara alusão ao grande Jobim e ao tom mesmo, no sentido do seu jeito de ser. Mantendo as devidas proporções de forma, conteúdo e, também, os diferentes tempos em que viveram o auge artístico, considero o João o gênio da simplicidade!

Blog do Alex Fraga - "Pacíficas" tem músicas e letras encantadoras. Há possibilidade de continuidade deste trabalho?

Paulinho Robson - Sim. Além de "Morena da Porteira”, “Tarumã Florido” e outras que ainda não ganharam melodia, pretendo gravar uma música algo filosófica cuja melodia foi feita por um grande maestro e professor de música da UFMS. Essa música é tão rica, musicalmente falando, que ainda não arranjamos um tempinho para gravá-la, principalmente porque logo depois de sua finalização veio a pandemia. Também espero que da próxima vez o parceiro musical e amigo Eduardo Ramirez ponha letra, enfim, na tal "Valsa para Eduardo" (risos), que no presente álbum saiu apenas na versão instrumental. A ideia do "Pacíficas - volume 2", que assim será chamado para lembrar os velhos discos de vinil dos anos 50 e 60, será a mesma do atual álbum, ou seja, conterá músicas que lembram o universo rural antigo, sempre carregadas de boas energias, de mensagens edificadoras e ao mesmo tempo buscando a simplicidade das pessoas da roça, aludindo à cativante personalidade o próprio João Pacífico.

Blog do Alex Fraga - A obra de João Pacífico tem mais de 600 composições e 1.500 gravações. Já foi tema de teatro-musical em Santo André (SP), no entanto não seguiu para outras cidades devido falta de verba. Acredita que essa injustiça com a obra desses artistas já vem dos órgãos culturais que não se interessam em preservar a cultura de raiz?

Paulinho Robson - É provável que sim. Talvez haja um "quê” de desconhecimento da importância da cultura popular nessa história, talvez um preconceito contra o que é antigo - neste caso, ao não considerar o que foi feito há décadas, não se dar importância às bases da nossa Cultura e aos processos históricos que nos trouxeram à contemporaneidade. Será que tudo que é velho deve ser descartado? Nesse sentido, percebo também que no Brasil há uma crença de que só presta o que é de fora. Essa é uma visão inocente e deletéria que reforça o neocolonialismo, a meu ver. Pior: tem gente que gosta de ser colonizada! Não sou especialista em Cultura, mas apenas um professor universitário interessado em produzir música para o ensino de ciências e biologia que, vez em quando, se permite "dar uma fugidinha" do tema. Mesmo assim, como cidadão creio que tenho o direito de afirmar que muitos dos gestores e promotores culturais não conhecem a verdadeira dimensão da Cultura (confundem cultura com eruditismo), nem compreendem a dinâmica dos movimentos populares e seus anseios; sequer sabem discernir o que é genuíno, "raiz", e o que são modismos e produções alóctones. Um exemplo dessa superficialidade é "Merceditas" (Ramón Sixto Ríos), obra genuinamente argentina, mas que muitos de Mato Grosso do Sul a têm como "regional" por desconhecimento da sua origem. É um dos mais lindos chamamés, bravo!, mas não me venham dizer que "é nossa", nasceu da nossa cultura! Muitos gestores, infelizmente, não sabem da necessidade de se formar novas gerações críticas e musicalmente educadas, não sabem que nem todo produto cultural necessariamente tem que ter valoração ̶ no sentido de lhe atribuir um valor comercial. Vejo por aí rádios educativas que não têm critérios claros de veiculação de produtos verdadeiramente educativos ̶ o que pode incluir músicas ditas não comerciais ̶ e privilegiarem a música dos Estados Unidos, apesar de a lei das rádios educativas ser clara nesse sentido. Dá dó ver rádios educativas preocupadas com o índice de audiência, quando nesses casos a qualidade deveria ser mais importante que a quantidade. Inclusive, algumas delas têm a estranha mania de compartimentalizar a programação, criando verdadeiros guetos musicais, do tipo "só se toca samba sábado de manhã", ou de criarem algo que mais lembra um apartheid, coisas como "só podemos tocar compositores e intérpretes locais em determinada hora". Na minha opinião isso é um equívoco, até porque diversos artistas ditos "regionais" produzem trabalhos de abordagem ampla, transfronteiriça, verdadeiras obras universais. E não é só na música: vejo com espanto algumas livrarias terem os livros dos escritores locais confinados numa estante onde está escrito: "escritores regionais"!… Por que nos apequenarmos?

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