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Crônica - Sherlock Holmes, por Raquel Naveira

Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de crônica da escritora e poeta sul-mato-grossense Raquel Naveira com: Sherlock Holmes

SHERLOCK HOLMES

Lia para minha filha as aventuras do detetive Sherlock Holmes, personagem do cavalheiro britânico, o escritor Arthur Conan Doyle. Era um livro de capa dura preta com histórias como O Cão dos Basverville, Liga dos Ruivos e O Homem do Lábio Torcido. Havia imagens coloridas de um cão soltando fogo; de Sherlock Holmes numa cabine de trem, fumando cachimbo ao lado de seu fiel ajudante Watson; de um mendigo estirado na lama, num bairro qualquer de Londres.

Gostava de ler à noite, penetrando na atmosfera de mistério e suspense. Como esquecer aquele charco sinistro, brejo enevoado, cheio de armadilhas e areia movediça? E quem seria o assassino? A mulher que gemia ao longe? O mordomo de olhar fixo? O herdeiro vindo de outras terras?

À medida que o enredo ia se desenvolvendo, mais claro ficava o poder de dedução, de interferência, de observação de pequenos detalhes pela mente brilhante de Sherlock Holmes. Eu ia pontuando, fazendo comentários, adivinhando o desfecho das situações. Minha filha, surpresa, perguntava: _ Como a senhora sabe?

Sei porque analiso o ser humano. Sempre gostei de estudar Direito Penal. Não existe sociedade sem crime. A sociedade se organiza para preservar-se contra o delito e atenuar-lhe os efeitos, mas trata-se de um fato social, psicológico, em conexão com valores e fins determinantes de cada conduta criminosa. Está em jogo o problema substancial da liberdade humana. Entra também o subjetivismo: o crime aconteceu por culpa, por algum descuido, acaso, negligência, imprudência, imperícia ou por dolo, vontade, sangue frio, cálculo, sentimentos ocultos?

Aprecio na literatura criminal o poder da investigação, o seguir e decifrar as marcas, as pegadas, as digitais, os vestígios, as provas, as pistas, os pontos que levam a desvendar os enigmas, a desatar os nós e causas dos conflitos, pois não existe crime perfeito.

Em Londres, quando entrei num trem de subúrbio e vi os estofados de xadrez azul e preto, as janelas recortando as chaminés e tijolos das fábricas cinzentas, lembrei-me imediatamente daquele livro das peripécias de Sherlock Holmes. Holmes e Watson representam a solução burguesa de Conan Doyle para colocar ordem no caos da aterrorizante expansão da civilização urbana e industrial no fim do século XIX. Como se o quadro pudesse ficar sob o controle de uma inteligência cética e superior.

Os trens continuaram correndo cada vez mais velozes, por cima e por baixo da terra, no meio de uma população mundial cada vez mais densa, mais absorta, mais excitada. A cada dia aumentam a fadiga, o tráfego sufocante, a sede de lucros, a ausência de ética, as aglomerações, manifestações, celeumas, clamores, vapores tóxicos, ganância, paixões superficiais, contingências que limitam. A cólera popular açulada até uma freada brusca no fim do túnel.

Leitoras de Sherlock Holmes, eu e minha filha percorríamos abraçadas as tramas e os trilhos, talvez nem tão assustadores como as forças que hoje nos oprimem espalhadas pelos ares. Apreensivas e curiosas, chegávamos até a última página.

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