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Crônica/Poesia - Pássaros, por Raquel Naveira



Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de poesia com a escritora e poeta de Campo Grande(MS), Raquel Naveira, com "Pássaros".


PÁSSAROS

Raquel Naveira


Incrível como os pássaros me visitam. Desde cedo ouço os seus pios na janela, como se quisessem conversar comigo numa linguagem que guarda o mistério da criação. São leves e rápidos esses mensageiros do céu. Um, pousado na amoreira, olhando-me de soslaio, parece um profeta de avental marrom e cabeça amarela.

O poeta Manoel de Barros (1916-2014) amava os pássaros. Corro até a estante e encontro o livreto Compêndio para uso dos pássaros. Uma edição antiga, de 1960, da Livraria São José, do Rio de Janeiro. A capa ilustrada com um desenho, talvez de seu filho João, então criança. A primeira parte tem um subtítulo, “De meninos e pássaros” e inúmeras citações a aves do Pantanal, daqueles ermos por onde andavam o poeta e seu menino João: “Vi um rio indo embora de andorinhas”; “Nas ruas do vento brincavam passarinhos”; “...aquele cardeal, você viu? Fez um lindo ninho escondido bem”; “João chegava cheirando a pássaros com ilhas”; “o azul passava nas garças o seu céu”; “árvores praticavam sabiás”.

Sim, poeta, naquele tempo andorinhas marcavam a primavera e o verão. O cardeal amargava sua triste solidão. As garças esticavam com elegância seus longos pescoços de penas brancas e os sabiás bicavam laranjeiras em flor.

Neste abril chuvoso, folheio o livro Poemas Tardios, da escritora canadense Margaret Atwood (1939), talentosa em ficção e poesia. A capa, numa edição da Rocco, traz um rosto de mulher com retratos de três pássaros azuis, amarelos e pretos, talvez corvos, grous, gaviões ou melros, não sei. A própria autora nos explica em carta aos seus leitores: “E pássaros. Há mais aves nestes poemas do que nos livros anteriores. Desejo que haja ainda mais pássaros no próximo livro de poemas, deve haver um, e também desejo que existam mais pássaros no mundo. Que possamos ter esperança.”

Há mesmo muitos pássaros nesse livro: aves cujos nomes não desapareceram, pois os pássaros não precisam dos nomes perdidos; corvos como sinal (talvez de guerra, imagino eu diante das más notícias); o colhereiro no musgo verde, entre velhos salgueiros; o albatroz voando alto sobre o mar limpo; pássaros com asas de anjos e anjos com garras; um tordo de voz adorável; uma pluma cortada e afiada que virou pena de tinteiro. E, finalmente, o poema mais lindo de todos que começa assim: “Se os pássaros fossem almas humanas, qual pássaro seria você?” E termina: “Sei que você não é um pássaro embora tenha voado para longe, muito longe. Eu preciso que você esteja em algum lugar...” Doeu! Em que lugar estará minha filha passarinha que voou para longe? Preciso ouvir a voz dela, saber onde está, neste exato momento.

A pergunta ficou ecoando dentro de mim: que pássaro seria eu? Uma coruja noturna, cheia de sabedoria? Uma águia inflada de vitória e autoridade? Um beija-flor alegre e satisfeito com o mel das flores? Um pintassilgo com uma mancha vermelha de sangue no peito? Uma galinha sentindo falta de seus pintinhos para cuidar? Um pavão com olhos e estrelas na cauda? Um cisne cantando até a morte na expectativa de alcançar a vida eterna?

De todos os pássaros, o que me representa é o rouxinol, doce e queixoso, com seus afinados hinos de amor, saudade e dor, anunciando um novo dia.

Escrevi:


ROUXINOL


Não seria capaz de reconhecer um rouxinol...

Será um pássaro roxo?

Terá na garganta um sol?


De onde veio o rouxinol?

Da China?

Da montanha azul?

Do primeiro arrebol?


Como voa um rouxinol?

Alto, sobre as montanhas?

Baixinho, contornando o rio,

O prado que parece um lençol?


Como canta um rouxinol?

Com notas suaves?

Com tons de outono

Como alguém muito só?


Se abrisse a janela

Teria chance de ver entrar um rouxinol?

Será que ele pousaria sobre a caixinha de música

Ou sobre o meu cabelo em caracol?


Um pescador desavisado,

Que nunca tivesse visto um rouxinol,

Poderia confundi-lo com um peixe

Debatendo-se na ponta do anzol?


Quem faz da saudade,

Da dor,

Da melancolia

Um grande rol,

Deve trazer no peito

A pena de um rouxinol.

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