Crônica - Bonito de Cachoeiras, por Carlos Magno Amarilha
- Alex Fraga

- há 3 horas
- 4 min de leitura

Sexta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de crônica com o escritor e poeta de Dourados (MS), Carlos Magno Amarilha, com "Bonito de Cachoeiras".
BONITO DE CACHOEIRAS
Ah, Bonito em pleno Carnaval do ano de 1983! Só de lembrar já sinto o cheiro da gasolina do meu Fusca e a alegria daquele tempo. Era eu, o Carlos, o Daniel, o Zé Henrique, o Bico do Trombone e o Helinho, tudo moleque solteiro, com a cabeça fervilhando, imagine, por quatro dias de folia e aventura. Saímos de Dourados às 4 da manhã, com o galo ainda sonhando, em dois carros: o meu Fusca amarelo 1974, um foguete com dois carburadores, e a camionete cabine dupla do Zé Henrique, que mais parecia uma nave espacial de tão espaçosa. Pegamos o estradão, a partir de Maracaju era o chão de terra, batido, não havia asfalto nessa época para Bonito. Chegamos em Bonito com o sol a pino, e o hotel era tudo o que a gente podia querer: piscina que parecia um rio, canoas à disposição para o Rio Formoso com suas inúmeras cachoeiras e um salão enorme, tipo campo de futebol, tudo prometia noites épicas. A primeira noite foi de pura euforia. O salão do hotel virou uma pista de dança com a gente brincando, dançando, fazendo amizades, com cariocas, paulistas, paranaenses, gaúchos, sul-mato-grossenses, nordestinos, entre tantos outros do Brasil afora. Conhecemos umas meninas de Campo Grande, e a noite se estendeu em risadas, papos e a promessa de um Carnaval inesquecível. O Bico do Trombone, como sempre, já estava com seu Trombone e o Helinho, com o violão a tiracolo, já ensaiava uns samba de roda, para animar a galera. Que noite! Muitos amigos e amigas, mil trocas de ideias e figurinhas. Muito peixe, cervejas, carnaval de muitas brincadeiras. O ponto alto da viagem, sem dúvida, foi a competição de canoas no Rio Formoso. Não era uma competição qualquer, viu? A ideia era descer o rio passando por várias cachoeiras sem virar. Parecia loucura, mas com a gente, tudo virava desafio. O Daniel, que se achava o Tarzan, já estava se gabando de ser o primeiro. O Zé Henrique, com aquele espírito competitivo, já tinha um plano para cada corredeira. Eu, que não sou bobo nem nada, só queria chegar inteiro. A largada foi uma gritaria só. Uns remavam que nem doidos, outros já estavam rindo à toa, quase virando. As cachoeiras eram uma atração à parte. A água espirrava, as canoas balançavam, e a gente se agarrava com força. Teve canoa que fez um "jacaré", com a galera boiando e dando risada. Eu estava lá, na minha canoa amarela, com meu remo improvisado, me esforçando para não ser o último. Lembro de ver o Carlos tentando equilibrar a canoa com os pés, parecia uma gaivota desajeitada. Em uma das últimas cachoeiras, eu estava em último, suado e quase sem fôlego. Mas aí, não sei o que deu, senti uma energia extra. Remei com uma força que nem sabia que tinha. Passei o Bico do Trombone, que estava mais preocupado em não molhar o cabelo. Depois passei o Helinho, que cantava "Remando, remando" e só. O Daniel e o Zé Henrique estavam lá na frente, disputando palmo a palmo. No último trecho, vi uma oportunidade, uma correnteza mais forte. Abracei a sorte e remei com toda a minha alma. E não é que deu certo? Passei os dois nos últimos metros! Cheguei na frente, canoa intacta, gritando e recebendo os aplausos da galera. Primeiro lugar! Aquele dia a cerveja teve um sabor especial de vitória. As noites de Carnaval no salão do hotel eram pura magia. Todo mundo fantasiado, a banda tocando marchinhas e axé, e a gente ali, no meio da folia. Na última noite, teve uma competição de melhor bloco. A gente estava meio desanimado, sem fantasia elaborada nem nada. Mas o Zé Henrique, com a veia de líder, não se deu por vencido. "Gente, a gente vai inventar um bloco agora!", ele decretou. Rapaziada, é o seguinte, vamos que vamos, somos de Dourados City, e vamos fazer bonito sim.
Foi uma correria. Corremos para a cidade, as lojas fechadas, aí o Daniel comprou umas coisas esquisitas, o Carlos pegou uma toalha de mesa e fez de capa, com óculos escuro, ficou o bicho da goiaba de diferente, o Zé pra lá de Marraquexe, pegou uns cocos e amarrou na cabeça, eu arranquei a antena do Fusca e usei como varinha mágica e a calça que coloquei do avesso, ficamos fantasiados e pronto para a folia, O tema? "Os Reis de Dourados". O Zé Henrique, que era pura confiança, conseguiu pegar o microfone da banda e passou para o Daniel, com seu vozeirão, arrasou, ao mesmo tempo, começou a puxar umas marchinhas com letras adaptadas na hora. A gente fez uma coreografia desajeitada, mas cheia de energia, alegria, entusiasmos e assim brincamos a noite toda, fomos à loucura! A espontaneidade e a alegria contagiante do nosso bloco improvisado conquistaram meio mundo. Resultado, e não é que ganhamos? Melhor Bloco! A gente subiu no palco, a cara de pau do Zé Henrique agradecendo, e a gente rindo da nossa própria criação. Foi o auge do Carnaval. Voltamos para Dourados com o Fusca cheirando a aventura e a camionete do Zé Henrique cheia de histórias. Bonito nos anos de 1980, com a turma da pesada, foi mais do que uma viagem de Carnaval; foi uma lição de amizade, competição e a certeza de que a vida é feita de momentos que a gente cria, na raça e com muita risada. Até hoje, quando encontro a turma, o assunto sempre volta para Bonito e as nossas peripécias.
Carlos Magno Mieres Amarilha In: A Crônica do Dia. "Bonito de Cachoeiras". Prelo, 2025.





A crônica de Carlos Magno Mieres Amarilha é um nostálgico e vibrante mergulho no Carnaval de 1983 em Bonito/MS, que na época ainda era acessível por estradas de terra. A narrativa, cheia de humor e companheirismo, acompanha o autor e seus amigos, um grupo de rapazes solteiros de Dourados, em uma viagem de quatro dias repleta de aventura e folia.
O ponto alto da crônica é a emocionante e cômica competição de canoas no Rio Formoso, onde a determinação e um golpe de sorte levam o narrador à vitória contra seus amigos, celebrada com uma cerveja de sabor especial. A experiência é coroada pela conquista do prêmio de "Melhor Bloco" em uma competição de Carnaval, graças à criatividade e espontaneidade…