Conto - O pré-natal de um conto de Natal, por João Francisco Santos da Silva
- Alex Fraga

- há 10 horas
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Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com O pré-natal de um conto de Natal.
O pré-natal de um conto de Natal
Desde há algum tempo, pensava em escrever uma história de Natal. Dezembro é uma época propícia para refletir sobre finais e inícios de ciclos. E o Natal, ao menos em sua concepção original, representa a grande metáfora de nascimento e renascimento.
Então escrevi meu pequeno conto. Nele não cai neve, Papai Noel não chega de trenó, tampouco há correrias para comprar presentes, peru, espumante e o resto do pacote natalino moderno. Achei estar indo bem com meu texto, fugindo dos padrões estereotipados de filmes de Natal norte-americanos. Contudo, depois de pronto, minha autocrítica pegou pesado.
Percebi não haver me desvencilhado de certas concepções forjadas pela cultura ocidental dominante. Explico: na história não mencionei o clima, mas em minha cabeça ela se passava em um lugar frio. E para ser frio em dezembro, se não for em Curitiba, e não foi, ela só poderia ter ocorrido no hemisfério norte. Também, no meu conto, sugiro a existência dos Reis Magos, indicando um pano de fundo cristão. Agora alguém pode estar pensando, se é sobre o Natal, é óbvio relacionar-se a tradição cristã! Sim e não, as coisas são mais antigas do que parecem ser.
Bastante anterior à era cristã, civilizações da antiguidade, como sumérios, egípcios, entre outras, criaram mitos de nascimento ou renascimento. Não por coincidência, mas por respeito aos ciclos naturais, eles associavam o solstício de inverno, o dia mais curto com a noite mais longa do ano, ao final do período de escuridão e ao renascimento da luz e com ela a esperança de um novo ciclo. Lembrando que lá no hemisfério norte, ele ocorre por volta de 21 dezembro.
No hemisfério sul, o solstício de inverno é entre os dias 20 e 21 de junho. E sim, abaixo da linha do Equador também temos tradições natalinas mais antigas que a cristã. Lembrando que o termo natalino aqui representa nascimento e não as festas do Papai Noel. Dito isso, entre as várias culturas de povos originários que viviam no Brasil antes da chegada dos europeus, com algumas variações, o fogo era um elemento presente e com muitos significados na cosmogonia desses povos. A energia provinda do fogo era considerada transformadora, um meio de conexão com o divino e símbolo de vitalidade.
Escrevi tudo isso até agora, que chamo de pré-natal do conto de Natal, apenas para fazer uma pequena provocação. Esqueçam o período do ano e os Reis Magos mencionados no meu conto de Natal. Imaginam a mesma história se passando em culturas não cristãs? Com personagens de outras cores, falando diferentes línguas ou dialetos?
Quem sabe com indígenas Kaingangues, que vivem no sul do Brasil, ou membros de alguma comunidade na África Subsaariana? Imaginem personagens de quaisquer gêneros. Enfim, imaginem o que quiserem.
Um conto de Natal
Na noite mais longa do ano, a fagulha brilhante estralou, voando pelo ar. Assim como surgiu, desapareceu na noite, deixando apenas o cheiro amadeirado de sua fumaça. Fagulha mágica, de queima de lenha encantada. Uma vez por ano a madeira espera ser encontrada e recolhida por pessoas com sentimentos especiais.
Segundo a lenda, a fagulha saída da fogueira ilumina o caminho dos Reis Magos em sua jornada na busca pelo Divino. Em dezembro, os galhos do cedro primordial, caídos com os ventos de agosto, já estão secos o suficiente para serem queimados.
Para encontrar a lenha encantada é necessário a presença de uma criança. Parece que sozinhos os adultos têm dificuldade em acessarem seus sentimentos mais preciosos e verdadeiros. A dupla que hoje segue a trilha montanha acima é formada pelo avô e seu neto. O avô repete o percurso feito anos atrás, ainda criança, quando seguia ao lado do tio mais velho na mesma busca. Intersecções geracionais criando memórias perenes.
Os dois não levam machado, são acompanhados apenas por palavras que, igual isca para peixe, vão sendo lançadas pelo caminho. Quando ditas as palavras certas, aquelas que traduzem os melhores sentimentos e intenções, os espíritos da natureza lhes mostram e ofertam a lenha encantada. A natureza quer ouvir algo assim:
— Obrigado por você existir.
— Agradeço por estar aqui contigo.
Depois de uma jornada gratificante, avô e neto retornam com uma farta braçada de lenha encantada, lhes ofertada pelos espíritos da natureza. Lenha suficiente para gerar o fogo que iluminará a mais longa das noites. Em suas chamas estão as esperanças no recomeço de um novo ciclo natural que chegará junto com a luminosidade solar dos dias futuros.





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