Texto/Poesia - Pombinha, Raquel Naveira
- Alex Fraga
- há 9 horas
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Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de texto/poesia com a escritora e poeta de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com "Pombinha".
POMBINHA
Raquel Naveira
Haverá símbolo mais lindo de pureza e graça do que uma pombinha? Uma pombinha alva, imaculada, de doce arrulho?
A personagem Pombinha é uma das figuras mais marcantes do romance O Cortiço, obra-prima de Aluísio Azevedo (1857-1913). Ela representa a transformação moral e social provocada pelo meio, pelo ambiente, pelas taras, pela carga hereditária, um dos principais temas do Naturalismo, corrente literária à qual o livro pertence.
Pombinha era um apelido carinhoso. O nome verdadeiro da moça não é revelado. Sua mãe era uma viúva portuguesa, Dona Isabel, que tinha orgulho da filha, exemplo de virtude e distinção, uma “pomba branca” criada na sujeira do cortiço, flor nascida no lodo, rosa de estufa. Delicada, educada, fina. Prometida em casamento a um jovem de boa família. Todos esperam que o matrimônio represente ascensão social. Vamos conferir neste trecho do livro:
“A filha era a flor do cortiço. Chamavam-lhe Pombinha. Bonita, posto que enfermiça e nervosa ao último ponto; loura, muito pálida, com modos de menina de boa família. A mãe não lhe permitia lavar, nem engomar, mesmo porque o médico a proibira expressamente.
Tinha o seu noivo, o João da Costa, dos colegas, com muito futuro e que a adorava e conhecia desde pequenita; mas Dona Isabel não queria que o casamento se fizesse já. É que Pombinha, orçando aliás pelos dezoito anos, não tinha ainda pago à natureza o cruento tributo da puberdade, apesar do zelo da velha e dos sacrifícios que esta fazia para cumprir à risca as prescrições do médico e não faltar à filha o menor desvelo.”
Interessante a menstruação tardia como passagem da inocência à maturidade, ritual de sangue.
Pombinha torna-se próxima de Léonie, prostituta francesa, culta, sofisticada. Léonie vê em Pombinha uma sensibilidade diferente e a inicia no mundo da sexualidade e da malícia. Léonie encanta Pombinha com seu refinamento de cortesã que veio de Paris. Desperta nela curiosidade, desejo por vícios e abismos. Mistura de vergonha e fascínio. Mudança súbita de caráter. Pombinha passa de moça recatada a mulher independente, sensual, que escreve cartas picantes, cheias de talento e inteligência. Pombinha abandona o marido fraco e escolhe conscientemente a prostituição, num processo de degeneração moral e social. Sua queda é metamorfose de “pomba” a mulher livre, mas corrompida. Encarna um grito de rebeldia feminina. Talvez o retrato precoce de uma mulher moderna. Mais um trecho:
“Nisto chegou Pombinha com Dona Isabel. Disseram-lhes logo à entrada que Léonie estava em casa do Alexandre, e a menina deixou a mãe um instante no número quinze e seguiu sozinha para ali, radiante de alegria. Gostavam-se muito uma da outra. A cocote recebeu-a com exclamações de agrado e beijou-a nos dentes e nos olhos repetidas vezes.
_ Então, minha flor, como está essa lindeza? Perguntou-lhe mirando-a toda.
_ Saudades duas... respondeu a moça, rindo bonito na sua boca ainda pura.
E uma conversa amiga, cheia de interesse para ambas, estabeleceu-se, isolando-as de todas as outras.”
Pombinha vira, ao final, uma nova Léonie: elegante, resoluta, disposta a levar outras pombinhas para as arapucas e gaiolas da prostituição.
Pensando nos perigos que acompanham uma pobre pombinha pela vida, escrevi este poema:
Não entregues ao gavião
A tua pombinha,
Tão simples,
Tão pura,
Defende-a das garras
Dessa agressão.
É outono,
Há sol nas folhas,
Ele a viu de longe,
Cheia de graça,
E desceu,
Caçador alado
Que mata aquela
Que deseja
Seu coração.
Não entregues ao gavião
A tua pombinha,
Alma nascida da fonte da memória,
Do bosque da sagração.
Poupa a pombinha,
Que ela voe
Em tua direção.
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