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Texto/Poesia - O Macaco, por Raquel Naveira

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • 27 de fev.
  • 3 min de leitura

Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de texto/poesia com a escritora e poeta de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com "O Macaco".


O MACACO

Raquel Naveira


É desconcertante o aspecto do macaco: tão semelhante ao ser humano que nos constrange e intriga. Observar sua agilidade, sua comicidade, seus dons de imitação desperta em nós a consciência do quanto somos animais.

O macaco simboliza a nossa alma, os nossos pensamentos pulando de galho em galho. É preciso acalmar a mente, amarrar esses aventureiros, salteadores, bandidos das forças instintivas. Afinal, mente quieta e coluna retesada é a postura do autodomínio e da meditação.

Quantas emoções ao ficarmos face a face com nosso ancestral peludo, caricatura brutal de nosso próprio ego. É por isso que o viveiro dos macacos em qualquer jardim zoológico é uma das principais atrações. Os visitantes reconhecem logo que esses bichos têm atitudes e comportamentos quase humanos, que permitem estabelecer comparações curiosas. Gorilas, chimpanzés e orangotangos nos impactam.

Certa vez, num sítio no sul de Mato Grosso, eu devia ter uns treze ou quatorze anos, fiquei admirando uma macaco que pulava entre as árvores e as cercas de flores amarelas. De repente, ele me olhou fixamente, o membro ficou ereto, em riste e ele caminhou em minha direção. Senti medo, pavor, repulsa por aquele macho indecente, degradado pela luxúria e pela malícia. Revoltei-me: como pôde ter sido tão insolente? Cheguei a ter pesadelos, pois percebi que há temperamentos sensuais incontinentes que arrastam para a lascívia e para a morte.

Os estudos de anatomia comparada confirmam a impressão que todos temos desse íntimo parentesco com o macaco: o plano geral do esqueleto e a estrutura cerebral são os mesmos em homens e macacos. A diferença é que em nossa natureza humana houve o aperfeiçoamento do córtex cerebral, essa região que nos confere a capacidade de pensar em conceitos abstratos, de organizar causas e efeitos, de falar, de escrever.

Fundamental o toque desse fenômeno humano e divino que é a linguagem, o dom da palavra que cria a realidade, pois “no princípio era o Verbo.” O córtex, local de onde emano o Amor, esse que “ama o próximo como a si mesmo”. Esse antinatural amor capaz de altruísmo e de “ser leal com quem nos mata”, como escreveu Camões.

Dizem que os macacos se reúnem em assembleias, agacham-se, batem no peito, mostram o traseiro, tagarelam ruidosamente um pouco antes de o sol nascer e se pôr. Como será a linguagem desses mágicos espertos? Desses artistas da imitação? Quais os segredos dessas criaturas cúpidas? Desses convencidos vulgares?

Não há como fugir à questão: o homem originou-se mesmo do macaco? A velha e anacrônica discussão entre evolucionismo e criacionismo. O criacionismo apontado pela teologia judaico-cristã, apoiado na fé religiosa, nos textos bíblicos. O evolucionismo firmado em evidências cosmológicas, geológicas, arqueológicas e antropológicas. O criacionismo atribuindo uma origem transcendental e necessária através do sopro da vontade divina. O evolucionismo naturalizando o homem, fazendo-o parte contingente de um processo amplo e global.

A origem das espécies, de Charles Darwin (...), publicado em 1859, estimulou uma nova visão sobre a criação do mundo, mas o fato é que o conhecimento científico não alterou significativamente a crença ou a descrença em Deus, na imortalidade, na espiritualidade, no poder da oração dos que clamam ao Deus criacionista.

Há cientistas que creem em Deus, pois, apesar de a sociedade estar cada vez mais inclinada à ciência, a dimensão religiosa faz parte do ser humano, esse ente adorador, criatura criadora de mitos e símbolos. Religião e Ciência são duas verdades em contextos e planos diferentes. A dúvida, no entanto, é pressuposto da ciência. A fé não admite dúvida, ela é a certeza das coisas que não vemos. Ciência e Fé têm algo em comum: o mergulho no mistério.

Quando meu filho era pequeno, gostava de brincar com um macaco desengonçado que ele prendia no espaldar da cama. Veio o poema:

O macaco é comovente,

Parece gente.


Pula,

Se coça,

Fica com ar tão pensativo...


Faz gestos imprevisíveis:

Enxuga lágrimas,

Acena adeus,

Coloca as mãos em prece.


Macaco é rude,

Rude homem das cavernas,

Felpudo e bruto,

Terno e estúpido.


Guto foi ao circo,

Viu o macaco andando de bicicleta,

Porque se gosta de ver bicho imitando atleta?


Fica mesmo a perplexidade: “O macaco é comovente/ Parece gente.”

 
 
 

6 Comments

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Guest
Mar 03
Rated 5 out of 5 stars.

Muito bom o texto. Parabéns!

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Guest
Feb 28

Mais um texto maravilhoso da talentosíssima Raquel Naveira.

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ZÉ GERAL
Feb 28
Rated 5 out of 5 stars.

EXCELENTE!

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Guest
Feb 27
Rated 5 out of 5 stars.

Amei.

Luiz Veloso

Rio de Janeiro RJ

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Guest
Feb 27
Rated 5 out of 5 stars.

Sempre fantástica!

Duda Moraes - Campo Grande MS

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