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Texto/Poesia - Mesa, por Raquel Naveira

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • há 1 hora
  • 3 min de leitura
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Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de texto/poesia com a escritora e poeta de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com "Mesa".


MESA

Raquel Naveira


De todas as mobílias fabricadas na oficina do meu avô José, o marceneiro, restou apenas esta mesa: obra de cedro, pés com curvas sinuosas, tampo sólido. É uma mesa onde compartilho refeições e conversas com familiares e amigos, lugar de encontro, de nutrição do corpo e da alma. Aqui refletimos sobre a vida, as pessoas, a presença divina.

A mesa é símbolo poderoso, de aliança, de associação, de pacto. Na nossa sala de jantar havia um quadro da Santa Ceia, cópia da famosa pintura de Leonardo da Vinci (1452-1519), que captura a cena dramática em que Jesus anuncia a traição de um de seus discípulos. Que ícone do Renascimento. Que composição harmoniosa. Que expressões humanas. Os apóstolos, em grupos de três, reagindo de formas diferentes, espantados, cochichando entre si, observando os braços estendidos do Mestre. Sobre a toalha de renda, o pão fumegante, a jarra de vinho tinto como sangue. Escrevi este poema:


Em nossa casa

Havia uma certeza:

A mesa farta,

Sempre posta

Com arranjos de framboesas.


Quando nos sentávamos

Ao redor da mesa,

Era festa,

Celebração,

A defesa de um pacto,

Um mistério feito de vinho

E provisão.


As faces ficavam acesas

Em volta da mesa,

Ninguém se sentia solitário,

Embora eu soubesse

Que breve,

Muito breve,

Cada um partiria para sua missão.


Prepara-me uma mesa

Como fortaleza,

Como vitória

Sobre quem me despreza,

Dá-me o banquete

Da minha salvação.


Outra mesa que ficou gravada em minha memória: a távola redonda, das lendas do Rei Arthur e seus cavaleiros. O formato circular significava que não havia posição de destaque. Todos tinham a mesma importância. Todos poderiam tomar decisões em justiça, coragem e cooperação. Esses guerreiros extraordinários, Galaaz, Lancelote, Percival, Tristan..., tinham um código: alcançar a perfeição humana, a retidão nas ações, a piedade com os doentes, a doçura com as crianças e mulheres, a lealdade na guerra e na paz.

As duas histórias, a Santa Ceia cristã e a távola do Rei Arthur, de origem celta, em certo momento se fundem: o Espírito Santo desce sobre os apóstolos em Pentecostes, festa da colheita judaica e eles se espalham pelo mundo. O Graal, cálice de ágata que Jesus teria utilizado na Santa Ceia e no qual foram recolhidos sangue e água da ferida no flanco aberto de Jesus, voou sobre a távola redonda. Os cavaleiros se dispersaram pelas estradas medievais em busca do Graal. E o poema ficou assim:

Estávamos reunidos ao redor da távola redonda,

Éramos cavaleiros,

Guerreiros,

Monges,

Aspirávamos a um reino de paz

E, no entanto,

Persistia melancólica

A sede de combate.


De repente,

Um raio de sol

Penetrou as paredes do castelo,

Voou pelos ares

Um cálice verde,

Esculpido numa esmeralda chamejante,

Era o Graal,

Contendo o sangue de Cristo

Jorrado na cruz.


Sentimos odores adocicados

De frutas,

Fontes,

Flores maceradas,

Vimos luzes girando

Pelos arcos,

Iguarias dissolveram em nossa boca

Como néctar e ambrosia.


Provamos por um instante

Um gozo inefável,

Uma gota de neve,

Um golpe de espada.


Desde esse dia,

Dispersamo-nos pelo mundo:

Peregrinos,

Penitentes,

Em busca do Bem

E do Graal.


Passo a mão sobre a mesa antiga que saiu da oficina de meu avô: uma relíquia. Meu cálice transborda. É honra que me foi concedida.

 
 
 

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