Texto/Poesia - As Parcas, por Raquel Naveira
- Alex Fraga
- há 2 dias
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Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de texto/poesia com a poeta e escritora de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com "As Parcas".
AS PARCAS
Raquel Naveira
As Parcas, na mitologia romana ou Moiras, na mitologia grega, são três deusas irmãs que tecem, medem e cortam a vida dos seres humanos, determinando o destino do nascimento à morte. São figuras poderosas, temíveis, de aspecto severo e sinistro, que equilibram o mundo. Representam a ordem natural das coisas, o fluxo da vida, a fatalidade que não pode ser contestada, o fim que pode acontecer a qualquer momento.
“Parca” significa “parte”. Cada um de nós tem sua parcela de infortúnio, seu quinhão de felicidade, de ventura e desventura, sua própria sorte. Tudo no controle de um grande tear.
Paul Valéry, em 1917, publica um longo poema intitulado “La Jeune Parque”, “A Jovem Parca”, que o projeta à esfera de poeta oficial da França. O poema sintetizava de forma profunda a atmosfera lúgubre do pós-guerra. Trata-se da luta entre a razão e a sensibilidade (sensualidade), entre o desejo de pureza e o apelo à carne. Retiro algumas expressões do poema: “Quem chora ali, tão próximo de mim?”, “lágrimas que derrete dos destinos”, “gargantas de roca”, “mão glacial”, “gemido de folha”, “inevitávés astros”, “sonho cativo”, “sangue ungido”, “sou perseguidor de uma serpente que acabara de me morder.” Um poema crivado de luto.
No clima de apreensão em que vivemos, ameaçados por guerras e perigos, buscando a identidade de nosso continente, escrevi o poema “As Parcas”:
Somos três as Parcas
Na barca do destino,
Somos três as Fiandeiras,
Laçadeiras da existência,
Somos três as Mulheres
Desta terra brasileira.
Sou Cloto,
A que fia,
A jovem índia,
A que lamenta a opressão,
O genocídio,
A vida transformada em morte no fim do dia.
Sou Láquesis,
A que tira a sorte,
A que determina o comprimento do fio;
Munida de um fuso
E de um mapa-múndi
Localizo almas;
Vim da África,
Minha pele é negra,
Cruzo mares
Em navios negreiros,
Escuros e sombrios
Como a escravidão.
Sou Átropos,
Nada abranda meu coração,
Corto o fio dos novelos,
Na hora em que Deus manda;
Sou alva como lírio,
Velha como a História,
Minha única glória,
A de agora,
A de sempre,
A de nunca mais,
É cavar a cova dos mortais.
Somos três as Parcas
Que ligam este mundo
Ao outro mundo;
O Inferno ao Céu
E o Céu à Terra;
O homem a si
E ao seu princípio.
Somos três as Parcas
Neste labirinto,
Seguindo passo a passo o fio
Que conduz ao Infinito.
Somos três as Parcas
Nestes bastidores,
Nestes teares,
Criando formas
Que se rompem,
Frutos de nossas entranhas,
De nossa substância,
De nossas teias de aranhas.
Somos três as Parcas,
Duras e impiedosas,
Filhas da Necessidade,
Lei que rege as mudanças,
Que planta e ceifa
As contínuas esperanças.
Somos três as Parcas,
Fixando símbolos,
Plantando sementes
Nos campos das mentes
Que lavramos.
Somos três as Parcas,
Somos três as Moiras:
Índia,
Negra,
Ibérica,
Marcas deste continente
Que se fez América.
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