Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de texto poético com o jornalista, poeta e escritor de Brasília (DF), Inorbel Maranhão Viegas, com "Borda da Vida".
Borda da vida
Naquela sala de aula éramos todos iniciantes. Fazia um frio típico dos invernos julinos. O suficiente pra me mover internamente em direção a um pendor filosófico, meio Shakespeare, meio Macunaíma, que todo nordestino desterrado tem: estar ou não estar ali, eis a questão.
Já que estava, coragem. E brilho nos olhos. Brilho dos iniciantes. Dos incautos. Dos que têm colágeno de sobra, marcas da transposição entre a adolescência e a adultez.
A euforia do primeiro dia de faculdade refluí quando o professor, Pedrinho Guareschi, entra na sala. Sem dizer uma palavra, põe seus livros o sobre a mesa.
Nos enxerga pela primeira vez levantando os olhos por trás dos óculos e esboçando um indecifrável sorriso monalitico.
Vira-se para o quadro, giz na mão. Escreve. Letra a letra, as palavras vãoi-se formando:
R E A L I D A D E XUTOPIA
Silêncio na sala. Ele se volta para sua mesa como quem procurasse algo mais entre suas anotações.
Aqui entre nós, aflitos, angustiados, todos tínhamos compreendido a primeira palavra. Realidade. Mas e aquela tal XUTUPIA, do que se tratava?
A coragem que antes sobrava a muitos, restou apenas a uma: Flávia Divina da Cunha. Desarvorada, passou a mão no rosto afastando dos olhos os cabelos cacheados e tascou a pregunta: ô professor, o que é mesmo que significa XUTOPIA?
O professor voltou-se para os alunos. Sem dizer uma palavra, guardando um sorriso interno, compreensivo e silencioso, foi em direção ao quadro com o apagador nas mãos. Ergueu o braço sobre a letra X. Apagou-a. Pegou o giz e tornou a colocar o X, dessa vez, um pouco mais afastado do restante das outra letras.
Eureka! Desfez-se o mistério:
Na nossa primeira aula no universo que se abria com a Deontologia da Comunicação, o tema do dia seria:
REALIDADE X UTOPIA
Foi como um Big Bang. E desde aquele dia, a Flávia deixou de ser Flávia. E passou a ser XUTOPIA. A nossa própria XUTOPIA!
Inorbel Maranhão Viegas
Brasília, 05/07/24
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