Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de texto com o jornalista, poeta e escritor de Brasília (DF), Inorbel Maranhão Viegas, com "O cinema guarnecido"
O dia em que fui brincante de boi, lá em Pindaré - Foto feita por Carlito Silva_
O cinema guarnecido
Carlito Silva foi meu professor de cinema. Nos conhecemos durante um curto período em que eu estive aluno do curso de Jornalismo da UFMA, no início da década de 1980.
Carlito era um apaixonado pela arte e pela vida. Tocava bandolim, trazia nas veias o amor pelo cinema, tinha no rosto um sorriso que nunca desmontava - nem nas horas mais críticas - o que nos dava a impressão certeira de que era um camarada de bem com a vida.
Numa das nossas jornadas conheci também um outro amigo irmão, Antônio Victor Rego, hoje um artista plástico de mão cheia - como se costuma dizer lá no Maranhão.
Esses dias, conversando com Victor - e em nossas conversas a gente sempre inclui a presença transcendental de Carlito - ele me disse ter descoberto que nosso amigo comum saiu de cena faz uns dois anos. Sem que a gente pudesse sequer fazer uma jornada de despedida, nem que fosse virtual.
Conversa vai, conversa vem, lembrei-me que das minhas melhores aventuras com Carlito guardo uma resultou em um documentário sobre a mudança de um grupo de famílias da zona rural para a área urbana de Pindaré, região amazônica, bem no coração do estado do Maranhão.
O líder daquele grupo se chamava Zé Vale. Caboclo valente, determinado… Ficamos uma semana, eu e Carlito, mergulhados naquela comunidade. E o filme que dava vida à saga de êxodo, tristeza e reconstrução feita com a força dos tambores, aconteceu.
“O rei da União” conta a história de uma desapropriação territorial e a resiliência de um povo que se reergue a partir da fé e da alegria, no ritmo do bumba meu boi.
Em São Luís, a UFMA dava corpo a um festival de cinema que hoje é um dos mais tradicionais do país, o “Guarnicê”.
O significado de “guarnicê” não está no dicionário, é uma palavra única na cultura maranhense. Tem origem indígena e significa prover e se preparar para entrar em ação na festa que se renova a cada ano, o Bumba Meu Boi.
Pois bem, a nossa aventura cinematográfica inscrita no festival, foi escolhida e venceu o prêmio do Júri Popular.
Hoje, lembrando dessa história, de Carlito e do filme descubro que o festival completa agora 47 anos de existência. E me vem à mente um desejo: converter o original em super 8, que guardo até hoje comigo em um arquivo digital. E sugerir aos organizadores do Guarnicê que ele seja exibido na edição de número 50 do festival.
Eita! Onde quer que esteja agora, Carlito deve vibrando com essa possibilidade! Deve também estar estampando aquele sorriso no rosto, que não me sai da memória! E, certamente, dizendo a frase era a sua marca registrada quando ficávamos muito tempo sem nos ver: “Vamos precisar de um caminhão de cerveja pra botar nossa conversa em dia!”
Inorbel Maranhão Viegas
Brasília, 25/05/24
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