Reflexão da historiadora, professora universitária, poeta e escritora de Dourados (MS), Joana Prado Medeiros nesta sexta-feira para o Blog do Alex Fraga.
Esse...Dói...Eu já estava na terceira série do ensino fundamental tinha 9 anos, quando descobriram que eu não sabia ler. No primeiro ano escrevia com a mão esquerda e foi então amarrado o meu braço e fui para a fileira dos filhos do capeta. A escola inteira não falava conosco, tive que aprender na marra a escrever com a mão direita, trocava as letras d e t...V por f e muitas outras, escrevia muitas vezes de trás pra frente ... Até hoje. Para me safar decorei toda a cartilha Caminho Suave que para mim era Caminho Suado. (Naquele tempo não se falava em dislexia) Invertida os números e a esquerda com direita desnorteada... Meu pai me fazia decorar a tabuada que até hoje não consegui. Amava estudar e vivia inventado estórias a noite brincava de cinema com meu pai, à sombra da lamparina ele criava com as mãos diversos bichos falador... E ainda nas noites de lua cheia ele me ensinava as constelações e declamava Olavo Bilac cresci ouvindo estrelas. Minha mãe quando menina carregava uma lata d'água na cabeça quando tomou um banho ao encontrar um toco de lápis em pleno chão do sertão baiano, ela o guardou como o mais precioso tesouro, escondeu de formas possíveis e imagináveis e tinha cuidados ao usar para não gasta-lo, cresceu analfabeta e só aprendeu a ler quase aos 18 anos. E na terceira série era urgente eu aprender a ler sob pena de voltar para os anos anteriores. Meu pai com toda sua leitura não conseguiu tal intento porém, minha mãe que sabia as artimanhas de juntar as letras de maneira sofrida com um raciocínio que eu ainda não sei decifrar me dava aulas enquanto me contava o que ela passou enfrentou para aprender e muitas vezes ela fazia o b com a barriga virada e de barriga virada e com o coração quente aprendi, não sei como só sei que foi assim. Escrevo porque escrevo mas não me pergunte das regras não sei onde coloca vírgulas e me atrapalho inteira com todas as conjugações etc e tal. Consegui, sobreviver e até me formei normalista, lecionei para séries inicias e até para pós graduação em faculdades. Passei na seleção de mestrado com a maior nota que já houve na história do mestrado, escrevi 17 laudas de papel almaço com rasuras e tudo e entreguei a prova "alea jacta est" e tirei 9,8. Tudo bem até ai e seguindo faceira participei de um concurso oferecido pela Universidade Estadual de minha cidade - UEMS juro que antes da prova até pensei em usar o meu direito garantido por lei de realizar a prova oral ( dislexicos) porém, podia ter feito isso mas, sei lá porque achei melhor fazer a prova escrita. Escrevi tudo sobre o tema pois muito sábia. Como terminei em tempo hábil resolvi passar a limpo o que havia escrito. Entreguei a prova é sai com um calhamaço de papel na bolsa...Beleza, fui beber cerveja com um amigo e pré comemorar a vitória!!! Eu sabia que tinha ido bem. Na mesa do bar espalhei a prova comentando o que havia escrito e para meu profundo desgosto...Eu descobri que entreguei a prova para a banca uma prova faltando a metade...Bom, o resultado foi a nota 5.0. E eu precisava de 7.0. A prova sem o devido desfecho final. E ainda obtive 5.0. Fiquei acamada, despedaçada, com febre, com todas as mazelas possíveis e cabíveis e descabiveis e passei quase 10 anos sem conseguir contar a ninguém... Sem colocar os pés na Universidade. Sumi, desapareci...Fui ganhar a vida em Faculdades privadas ...Concursos nunca mais me atrevi...O tempo tudo ajeita e como diz Walter Benjamim as narrativas possuem o dom de ensinar...E como bem diz Maurice Halbawachs as lembranças são reconhecimentos e pertencimentos que estão inseridos em um contexto social e coletivo e preciso. Esta é mais uma história que compõe o mosaico dos que sofrem com a dislexia. Foto - Com meu caderno do terceiro ano... Está escrito na capa com minha letra : Meu caderno de CACE
(Joana Prado Medeiros - 10/03/2021) É Pandemia. *o texto apresenta diversos erros eu os deixo propositalmente...escrito no calor da hora sem filtro e correções.
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