A quarta-feira do texto de reflexão da historiadora, professora universitária, poeta e escritora de Dourados (MS), com seu “Diário de uma Idosa XIV”.
Talvez todo triângulo amoroso seja no mínimo interessante... Cantava "Adeus solidão de Carmem Silva" aos sábados enquanto encerrava o piso de nossa casa, um casarão imenso rodeado de grandes varandas vestidos de samambaias e uma planta linda verdinha chamada bambuzinho... Não tinha ideia do que seria "a tal solidão", mas achava lindo a frase "agora eu posso gritar"...Eu não queria um amor queria mesmo era gritar, meu sonho era gritar ao mundo que eu existia, queria ter voz... Naquele mundo de mulheres caladas a fabricar enxovais... Não bordei uma peça. Meus 13 anos chorava foram batizados com a literatura portuguesa que eu lia escondido somente quando meu pai estava em casa, pois ele permitia a luz do meu quarto acessa até a madrugada.
Amei ah eu amei... Ficava roxa de tudo!...Minha mãe dizia essa menina tem cabecinha de vento... E o vento ventou forte em minha vidinha já tinha os filhos grandinhos e ainda minha mãe dizia aos netos: "não judia de sua mãe ela tem cabeça defumada, cabecinha de vento, vivi no mundo da lua"... Frequentei todos os quartos da lua e carreguei no peito todos os vendavais esticando em um fio dourado minha adolescência até chegar a idosa essência Não sei em que vácuo dos dias minha “adultice” morou... E hoje, quando me sinto vejo que o cinto que segurou minhas vestes é feito de vento... Cheguei a imaginar que quando fizesse 60 anos minha cabeça iria deixar de ser ventania. Qual o que? O sopro feroz tomou de conta de vez e uniu coração e cabeça daí danou-se tudo. Agora já madura que não tenho mais pé...pois cai do galho. Danei a ficar contente de tantas sementes que tenho... E espalho sementes de vento nos quatro cantos do mundo, são feitas de sonhos desfeitos, de sonhos feitos, de suor e lágrimas, de riso e dentes... De carne e pão...De amores muitos amores. E os dias são esticados no varal da noite... E quando achei que nada mais iria me surpreender tenho agora o privilégio de finalmente conhecer a tal solidão! Oi muito prazer? Você vem sempre aqui? Algo em mim te encantou para que viesse ao meu lado sentar? A solidão me sorriu eu me senti descoberta... Senti um leve tremor desses que a gente sente " estava escrito"...Tipo Maktub...Casamos, ela tolera meus ventos eu tolero tuas saudades somos apaixonadas um acordo perfeito ela como boa esposa que é finge não ver o triangulo posto! Eu a solidão e o vento... A solidão vestida de saudades o vento de poesia ... Eu ? Eu visto os dois... Para também proteger do medo que agora sinto.
( Joana Prado Medeiros - 23/03/2021) É pandemia....
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