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Reflexão - Diário de uma Idosa 92, por Joana Prado Medeiros

Foto do escritor: Alex FragaAlex Fraga

Quarta-feira, dia de texto de reflexão no Blog do Alex Fraga, com os escritos da historiadora, professora universitária, poeta e escritora de Dourados (MS), Joana Prado Medeiros, com seu Diário de uma Idosa 92.

Tudo estava posto no lugar, a minha casa o Rex cachorro do meu irmão brincando no quintal. As casas dos vizinhos firmes ali estavam com seus muros e flores...O portão se abrindo e a casa cheia, a cozinha cheirando pão e café. O pai balançado em sua rede, o motor do fusca roncando no quintal com meu irmão limpando o carburador o som misturado com o pedal da máquina de costurar de minha mãe...Eu lavando a bata indiana e ouvindo Simon & Garfunkel. Logo mais a tarde se desfazendo e o jantar na mesa cruzando cheiros e a disputa feroz na porta do banheiro meu irmão passando gel nos cabelos e eu esperando a vez, louca para encher as minhas vontades de sabonetes e shampoo...O pai e mãe vendo novela e nós loucos pra sair...Era sábado. Loucos para invadir as ruas de pouca luz da cidade com a luz de nossa juventude tal qual ramas de abóboras espalhadas pelo chão...Saíamos catando cavacos de sonhos e beijando estrelas...Tudo parecia imutável. Como se cada edificação fosse eterna como se a mãe e o pai viveria para sempre. Como se o tempo não existisse. Mãe determinava o horário da volta lembrava olhe seu pai disse assim e o pai calado consentia. Saíamos juntos o maninho e eu que embora fosse mais novo era o meu guardião...Qual o que!? Ele logo me deixava no bar com minha turminha e sumia na noite com sua vibe...E volta e meia e sempre ele aparecia de surpresa no bar que eu estava só para vistoriar e fazia de longe caras e bocas e quando não se agradava da minha companhia fazia um gesto com a mão direita sob o peito e seus dedos esfregava a camisa como para sinalizar que era "sujeira"...Eu sacava de pronto e tratava de despistar e sair de fininho. O chegar em casa era como uma volta de Le Mans...Eu quase sempre chegava depois dele e isso era um Deus nos acuda...Ele bondoso me esperava na varanda ouvindo Pink Floyd e ai sim, era uma festa, deitávamos no chão e ao ouvir estrelas era hora da falação...Ele me contava suas peripécias e eu as minhas desventuras e ele ria e me dizia: meninas são bobas . E eu brava dizia você é besta fica fazendo cavalinho de pau, guri tonto. E fazíamos promessas e quando uma luz se acendia dentro de casa corríamos para dentro. E outra festa de cheiros acontecia com fome atacávamos sem dó e piedade a geladeira sussurrando e evitando barulhos depois sob o ralhar da mãe e a tosse do pai silenciávamos e íamos dormir. Ele metido tinha um fone de ouvido e ainda ia escutar suas músicas e eu madrugada à dentro respirava livros e sonhava com lindas histórias de um povo sem exploração naquele tempo meu coração já tinha pinceladas vermelhas de foice e martelo. Tempo bom, eu ainda não sabia que o rio que banhava meus dias lavava tudo e outro dia era outro dia. Existe um tempo que pensamos que tudo é para sempre...Existe um tempo que somos felizes sem saber. ...* E aos 20 aninhos você partiu para sempre meu maninho. Manoel Prado Medeiros presente.


( Joana Prado Medeiros) Dourados, Escrito em 10/01/2021. E (re) publicado agora para constar em meu diário hoje triste dia 03/01/2022 - dia que que completa 35 anos de seu acidente. Ficou 3 dias na UTI faleceu em 06/01/1987. É Pandemia.

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