Quarta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de texto de reflexão com a escritora, poeta, professora universitária e historiadora de Dourados (MS), Joana Prado Medeiros com seu "Diário de uma Idosa 237".
A MINHA PRIMEIRA VIAGEM DE TREM Extra! Extra!
Ó jornaleiro! Olha o Jornaleiro! Extra! Extra! Olha o Jornal! Eu olhava encantada para aquele rapazinho de vestes pretas, bonzinho escuro transitando em meio aos passageiros da estação de trem de Botucatu - SP... Sua figurinha escura em meio aos nevoeiro se perdia e sua voz rouca ecoava... Fiquei com seu grito olha o Jornaleiro! Estava na janela do trem e olhava um mundo desconhecido e estranho. Repeti baixinho olha o Jornal! Jornaleiro! E fui formando uma canção em minha cabeça. Quanto o trem partiu ouvi a palavra Botucatu e aí pronto que palavra é essa?! Danei a repetir Botucatu, Botucatu, Botucatu...Tanto repeti que minha mãe me puxou os cabelos e disse fique quieta e eu não parei fui repetindo Botucatu, Botucatu, Botucatu até que tive que parar com um puxão de orelhas que ardeu até a Estação da Luz...Tinha seis anos e fomos de trem até São Paulo. É difícil descrever aquele trem, um café com pão, café com pão, e tanto ferro, aquelas janelas largas e a mata densa, passando. Minha mãe não queria deixar eu olhar pela janela, mas ela também queria ver e ficamos olhando, ao fazer as curvas o encantado era, uma enorme cobra de ferro se corcoveando. E suspendemos a respiração diante da escuridão ao atravessar os túneis. O apito da Maria Fumaça até hoje soa em meu coração, tenho uma relação afetiva com os trilhos da NOB meu pai quando jovenzinho trabalhou na construção da ferrovia, e trocava olhares apaixonados com a minha mãe na Estação de Trem de Três Lagoas -MS. Na volta ( de ônibus) a travessia do Rio Paraná foi de balsa e eu vi a ponte em construção estava pela metade. Sinceramente não sei precisar o tamanho do meu espanto. Nunca irei esquecer as luzes e a beleza da Estação da Luz, meus olhos se perderam naquele teto, naquela arquitetura de outro mundo e os trilhos e a multidão, calei e tive que ficar no colo da mãe. Depois, uma longa viagem em um táxi em um carro que parecia uma capivara de lata, os meus olhos espichados até o céu olhando os prédios, bom o fato é que chegamos na casa da minha tia irmã mais velha do meu pai e a série espanto estava instalada. Logo que entrei o cheiro da casa era horrível sentia um cheiro nunca dantes cheirado e fomos levados para a cozinha, o fogão um treco branco com fogo azul e fedido danei a chorar e não consegui comer nada, tudo cheirava gás e poluição. No banheiro uma banheira enorme que me lembrou o tanque de água das vacas lá da fazenda do seo Tim Marques um mineiro rico da fazenda vizinha da nossa. Depois de tantos sustos, banho tomado e comi leite com uma tal bengala que nunca tinha visto fui dormir. No dia seguinte mais surpresas conheci as crianças da casa e vi a televisão pela primeira vez. Fui a princesinha casa, me mimaram e me mostravam coisas, para entrar na banheira ganhei da minha prima Joana minha xará uma pequeno frasco em formato de baleia contendo espumas para banho com um perfume delicioso (guardei essa baleia até os meus 15 anos era o meu xodó). E fomos para Santos meu tio português falando ora, pois, pois, em seu carro antigo, furgão ou pé de bode sei lá. Descemos pela estrada velha de Santos. Garrei meu Santo Antônio e fechava os olhos era curvas e curvas e curvas, tinha neblina e curvas. Lá pelas tantas o carro estragou, paramos e dava para enxergar o mar lá de cima. E para arrematar olhei pela primeira vez e conheci o tal do precipício. Para vestir de surpresas o passeio, paramos em uma casa, um museu da época imperial...E eu vivi e morri mil vezes olhando as vestes da Marquesa de Santos, as Adagas, Espadas, Colares e sei mais o que lá. Quanto voltei para o nosso pequeno mundo de galinhas, patos, vacas, cafés e vagalumes a noite na varanda da casa da minha avó os bancos feitos de madeira eram colocados um atrás do outro e era o nosso trem de ferro, eu pegava lençóis e tentava reproduzir as vestes da nobreza e brincava de TV com meus primos. Sobre o mar só disse que o céu emendava com a terra e que graças a Deus só vi de longe...E o jornaleiro era o meu primo. Olha o Jornaleiro!
( Joana Prado Medeiros - 08/10/24 - Direitos Autorais Lei 9.610/98).
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