Quarta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de reflexão com a professora universitária, historiadora, escritora e poeta de Dourados (MS), Joana Prado Medeiros, com "Súplica cearense, cinema e choro..."
SÚPLICA CEARENSE, CINEMA E CHORO...
Eu tinha seis anos, quando assisti um filme pela primeira vez, foi em uma matinê em um domingo, morava em uma cidadezinha do interior do interior de Mato Grosso naquele tempo em 1963 o Estado não era dividido. Neste ano, houve uma grande seca no país e aconteceu uma mobilização popular para enviar mantimentos aos irmãos nordestinos. A prefeitura de minha cidade organizou uma ação solidária e para arrecadar fundos foi instalado um telão para passar um filme. Na praça, um coreto e um alto falando tocando músicas. Fazia um calor extraordinário, eu tinha os cabelos repartidos ao meio maria chiquinha com laços azuis e usava um vestido lindo de lese branco com fitas e meias de bombom e sapatinho branco de verniz, estava chique e toda faceira. Meu pai me carregava pela mão e foi um custo achar cadeiras para nós, quando encontramos acabou que sentamos separados eu ao lado de duas senhoras e ele logo adiante. Bom, acontece que quando começou a passar o tal filme foi um Deus nos acuda, eu fiquei estatelada sem nada dizer e meu pai desesperado sem conseguir chegar até onde eu estava. O filme não era apropriado para minha idade, era a história de um jagunço, um tal de Dioguinho um dos reis do cangaço e era uma matança atrás da outra, muitos tiros e eu ali sem entender nada, quando, por fim, fui encontrada, meu paizinho foi me arrastando em meio a pequena multidão me tirando dali. Eu não falava, estava em estado de choque. Dai, recordo que fomos tomar um sorvete, um calor, uma gentarada, sacolas de comidas, roupas e músicas. Lá pelas tantas, ouvi uma música que dizia assim "Meu Deus eu pedi para o sol se esconder um pouquinho, eu pedi para chover e chover de mansinho para ver se nascia uma planta no chão...E o cantor ainda pedia perdão se não rezou direito...E pedia para acabar com o inferno que sempre queimou o meu Ceará." Gente de misericórdia, asucede que eu caí num choro, que não teve remédio. E a música repetia e repetia porque (certamente eles não tinham muitos discos) eu nunca tinha escutado um lamento daqueles e inconformada perguntava para o meu pai se existe lugar que não chove? E porque o homem pede para Deus para chover? E chover um pouquinho? Por que o sol castigava? E o homem que não rezou direito? E se eu não rezar direito o que vai acontecer? Por fim o desespero foi grande e quando cheguei em casa estava ardendo em febre, foi uma noite de agonia, chás e cuidados, dormi com meu santinho (Santo Antônio) nas mãos. E cresci. E descobri sobre a seca no Nordeste e Descobri sobre a belíssima canção "Súplica Cearense" lançada em 1960, composição de Waldeck Artur de Macedo, o Gordurinha (apelido que ganhou por conta da sua magreza) e Nelinho. A música é eternizada na voz de Luiz Gonzaga. E descobri sobre o Dioguinho o cangaceiro. Só não descobri a cura do pranto (a súplica nordestina trago como uma oração dentro do peito) não descobri a cura, choro desde pequena, por meu povo, tão seco, tão sofrido, tão enrugadinhos feito solinhas de couro.
(Joana Prado Medeiros - 24/09/2024 - Direitos Autorais Lei 9.610/98)
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Seus textos são muito informativo e lúdico ao mesmo tempo. História e Literatura.
Joana, sigo seus textos no Blog. Hoje deu tempo de dar um alô.
Ricardo Silva
Campo Grande