Reflexão - Diário de uma Idosa 220, por Joana Prado Medeiros
- Alex Fraga

- 5 de jun. de 2024
- 2 min de leitura

Quarta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de texto de reflexão com a poeta, escritora, professora universitária e historiadora de Dourados (MS), Joana Prado Medeiros, com o seu Diário de uma Idosa 220.
TEREBENTINA - EXAME DE ADMISSÃO...
Eu ia fazer onze anos naquele ano. Entrei pela primeira vez em uma escola com cheiro estranho e bom. Fiquei emudecida diante daqueles corredores e escadas, cheirando cânfora, terebentina e cera parquetina, tudo encerrado, o piso brilhando. As estátuas olhavam meu olhar de assombro. O prédio imponente, salões e salas azulejadas com castidade, renúncias e pecados calados, discriminações em contas de rosário. O pátio imenso com bancos tristes, havia uma biblioteca imensa uma viagem amadeirada. Senti o mundo me tragando em espiral. No meu franzino universo eu não cabia ali, senti medo e minhas pernas tremiam. Segurei minhas tranças e me perguntava por que meus pais me queriam ali. Tive muito medo meus pés de barro iria sujar este lugar. Esperei sozinha a hora da chamada não vi nenhuma outra menina. Finalmente, sou chamada para a sala onde fiz o exame de admissão. Fiz somente o de matemática porque minhas notas eram fracas nesta matéria. Foram quatro horas de completo desalento e contas. No hall de entrada uma freira de cara postiça me indica a saida. Saio, olho prédio é imenso cheio de janelas e um estilo arquitetônico que nunca tinha visto creio que estilo clássico espanhol. Vinha de um mundo sem nada disso, um mundo de quarador e varais de roupa, gramado e cafezais. Aquele lugar guardava santos, silêncios e choros mudos...Passei no tal exame e fui estudar latim, francês e música e contas e muito mais. Tremia timidez em todas as aulas. Um patinho feio na primeira fileira na primeira mesinha do centro da sala. Nem ousava perguntar nada...Mas levantei a mão quando a freira perguntou o que era masturbação? Quando perguntou o que era o Apartheid ? Fui a única sabia. Meu ídolo era Martin Luther King Jr e Stephen Bantu Biko. Eu era o ratinho da biblioteca, sabia também que não fazia parte daquela elite e que meus pais faziam um esforço enorme para pagar educação na escola das freiras. O tanto do tanto fez diferença tive boa base, mas o enxoval de bebê e as aulas de culinária não me moldaram...Sai lendo Karl Marx e parti ao meio a clássica da clássica educação. O trilhar dos ladrilhos foi e é duro. Nem elite nem povão caminhei. Cinquenta anos depois sou um serzinho que lê contos de Machado de Assis quase todos os dias me contento sobreviver na Casa Verde.
( Joana Prado Medeiros - 04/06/2024 Direitos Autorais Lei 9.610, 19/02/98)





Interessante. Lembrei do meu passado em algum instante.
Luisa Lourenço - Campo Mourão PR
👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏❤️❤️