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Reflexão - Diário de uma Idosa 206, por Joana Prado Medeiros

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • 28 de fev. de 2024
  • 3 min de leitura


A ESCOLHA...VIAJAR OU FESTA DE 15 ANOS

Joana Prado Medeiros


Faltava poucos meses para o meu aniversário de 15 anos. Meu tio/padrinho ia para a Bahia com a família a esposa um bebê de colo e duas garotinhas de menos de cinco anos. Fui convidada para acompanha-los iria ajudar com as crianças e pela primeira vez viajar sem os meus pais. Não quis festa de quinze de anos na época era baile de debutante, escolhi viajar. Ficamos dois meses e meio quase três meses final de Novembro, Dezembro e Janeiro no interior baiano Candiba, Guanambi, e Palmas de Monte Alto. Conheci os lugares que minha mãe viveu a sua infância. Conheci o famoso casarão da fazenda Lameirão que pertenceu ao meu bisavô Arthur da Silva Prado. Nunca esqueci este local, a noite não conseguia dormir, fiquei completamente impressionada com tudo, a casa é belíssima, os móveis tudo é lindo. A soleira das janelas largas dá para uma pessoa se deitar parecia que eu via os vultos a sussurrar pelo corredores. Ficamos hospedados em outra fazenda outro casarão tal qual da fazenda Lameirão, ficamos no casarão lá do Mucambo, fazenda de um tio da minha mãe neste local o que me estraçalhou a alma foi visitar os escombros da senzala, os ferros os objetos de tortura, fiquei horas ao lado do tronco gasto e ali ainda erguido um marco triste de suor, ranger de dentes dor e lágrimas, fiquei emudecida e parecia que ouvia os pretos velhos chamar por mim, foi ali em meio aquelas correntes que entraram em mim como punhal que minha meninice começou a partir meus olhos ganharam uma cor de dor de estranhezas de tristeza me olhava e não me via branca e não sou no meu registro de nascimento tá lá sou parda. Eu que já amava o Castro Alves amei inda mais. A noite ficava indagando sobre histórias do meu bisavô que era idolatrado por toda a cidade e os municípios vizinhos como um homem bom, fiquei sabendo que nas festas ele era bondoso e permitia que na senzala os negros podiam fazer suas danças, negros não se misturavam com os brancos. Que ele não fazia judiação com os negros. Na portão do casario lá do Mucambo havia uma sineta que tocava ao vento e durante a noite eu de olhos arregalados ouvia o chiar das panelas e o choro dos pretos. Logo adiante perto da casa um cemitério com suas cruzes com laços de um roxo clarinho dos anos. Fui tragada pelo tempo não comia e não dormia durante o dia no quintal comia umbu e mirava aquela casa imensa com mais de dez janelões cinco de cada lado e uma porta ao meio. Ao meio me dobrei decidi não mais permanecer ali, fui a pé para a cidade e nunca mais ergui minhas costas minha coluna é curva minha postura é meio corcunda, sou toda encurvada pareço um arco. Voltei para minha cidade decidida a fazer a faculdade de história foi ali naquela senzala ao pé do morro que minha consciência histórica brotou sou filha de escravocratas, sangue dos pretos mancham minhas mãos que dor que não passa e não tem um dia sequer que eu não tenha que lutar contra o racismo entranhado em mim. Soube de uma negra velha chamada Joana e Joana também é um nome de família somos em oito. Mas, quando tomo meus banhos de descarrego é na preta Joana que penso. Muitos anos depois tive a oportunidade de me sentar com o preto velho (incorporado) e ele me disse mia fia vou cantá uma canção e vossuncê sabe, vossuncê vai si alembrá e ele cantou e eu lembrei, chorei e cantei junto chorei e nunca soube dizer como sabia e sabia e nunca mais fui a mesma.


( Joana Prado Medeiros - 27/02/2024) Direitos Autorais Lei 9.610, 19/02/98

 
 
 

2 Comments

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Guest
Feb 28, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Muito bom

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Guest
Feb 28, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏

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