
Quarta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de poesia com a professora universitária, historiadora, poeta e escritora de Dourados (MS), Joana Prado Medeiros, com Diário de uma Idosa 187.
DIÁRIO DE UMA IDOSA 187
A MULHER DO SACO ROXO
ha ha ha... Eu carrego seis patinhos amarelinhos, um gato também amarelo e um xadrez, também tenho um passarinho marrom que passou comigo o meu primeiro natal, tenho ainda o meu santinho Santo Antônio que dormia embaixo do meu travesseiro quando eu sentia medo. Também carrego aquela areia fria da mata onde tinha uma pinguela e tinha borboletas azuis enorme me fazendo encanto. Também carrego no varão da porteira aquela taturana bezerra que me uivar de dor. Carrego ainda o rádio de pilha enorme dizendo para Jânio Quadros "venha tranquilo presidente", enxergo ainda as botinas cheias barro na sala emudecidas, estarrecidas, (alguns eram amigos e parentes do grupo dos 11) no dia do golpe de 64, enxergo as cintas apertadas dos medos do meu pai e dos peãos. Meu pai ouvia o rádio e eu olhava suas mãos ele estava de "punhos fechados" eu fiquei com medo achando que ia ter guerra, naquele dia, houve um grande silêncio. Também, ainda carrego as estrelas de Olavo Bilac na voz do meu pai, e caminho a sombra das Laranjeiras nas tardes fagueiras dos meus oito anos. Ainda grito os gols de Pelé (do meu Santos querido) na copa de 70.Tambem carrego nas mãos a cruz de ouro do dia que vi um anjo, emudeci e padre veio falar comigo no outro dia. Ainda recordo o corre e corre e choro do meu único maninho quando nasceu...O céu um dia acordou cinzento e cheio de cheiro de queimado inundou o mundo, os cafezais torrados e torrados estavam todos com a grande geada negra de 1975. Recordo o caminhão do tio aos solavancos nos levando embora pra cidade. Meu pai em busca de trabalho e minha mãe abrindo a máquina para costurar para fora. Carrego tudo, tudinho e as vezes ainda converso com aquela menina de casado de veludo amarelo com uma touca de ráfia preta. Ninguém falava com ela na escola, e sentava na fileira da esquerda dos filhos do diabo, o braço esquerdo amarrado era obrigada a escrever com o direito, trocava as letras e as linhas dançavam dislexia mas ninguém sabia...E na fileira da esquerda permaneci, pois é, declamava poesias e a poesia unta com óleo sagrado a forma do meu viver sigo assando devagarito uns trecos e não me pergunte o quê.
(Joana Prado Medeiros - 17/10/2023 - Respeite Direitos Autorais Lei 9.610, 19/02/98)
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