Quarta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de texto de reflexão com a historiadora, professora universitária, poeta e escritora de Dourados (MS), com Joana Prado Medeiros.
DIÁRIO DE UMA IDOSA 174 - CHUVA...
Era uma aventura triste a ida para a ESCOLA a Escola da Escola em dias de chuva, tinha que acordar mais cedo, arrumar dois pares de sapatos um levava em uma sacola e o outro era usado ia amassando o barro vermelho era dez quarteirões de muito sacrifico a bolsa de livros segurando no peito e com a outra mão segurava a sombrinha contra o vento, nestes dias tinha que usar calça comprida que ficava com a barra toda molhada e suja. Chegava bem na hora que o seu Zé abria os portões, corria ao banheiro e juntava os saquinhos de papel pardo esses de pão que levava na bolsa, e começava a limpar os sapatos enlameados, guardava na sacolinha de mercado. Depois de calçar os sapatos limpos tratava de limpar a barra da calça, enxugar o máximo que podia...Ajeitava os cabelos arrepiados, limpava as mãos. Um frio! Todo esse processo rezando para nenhum aluno entrar, na maioria das vezes não era vista por ninguém, ufa! que alívio. Ainda, tinha que limpar o piso do banheiro que era mais branco que o branco celestial cheirando igreja, quase igual a irmã diretora, e partia para sala de aula. Tudo isso para que o chão abaixo da minha mesinha não ficasse todo sujo de barro. As alunas riam e debochavam das outras que não faziam isso e suas pegadas na sala denunciava que iam a pé para escola...Eram humilhadas, pois as riquinhas de cabelos brilhantes de banhos matinais e café chegavam leves e frescas como se não houvesse chuva lá fora. Nesses dias eu ficava cabisbaixa e quietinha. Sabia que na saída ia ter que esperar todo mundo sumir para empunhar minha sombrinha e de volta pra casa. Ia olhando as flores dos ipês rosas pingando choro repetia a frase do Pedro Bala “A liberdade é como o sol. É o bem maior do mundo.” me perdia a pensar nos meninos abandonados do livro Capitães de Areia de Jorge Amado, sentia o peito arder e segurava o coração com a mão...Chegando vinha o cheiro de bife, eu tinha pai, mãe e um irmão. A humilhação escondida só não escondida de mim, consciente, permanecia quieta, uma sementinha de 11 anos
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( Joana Prado Medeiros - Direitos Autorais Lei 9.610, 19/02/98)
Essas memórias da infância, da escola e das intempéries são profundas e marcantes também em mim; minha meninice era Caldas Novas com menos de dois mil habitantes (na zona urbana), as escolas eram apenas duas e o lugarejo era como uma grande família, pois todos nos conhecíamos. Mas minhas lembranças daí e de então têm um limite - 10 de março de 1956 -, o dia em que me mudei de casa, de cidade e de estado para começar as memórias sob novos tons (de cores e de sons). Parabéns, Joana! A criança que vive em nós é quem nos abre os arquivos do que se tornou inesquecível.