Quarta-feira, no Blog do Alex Fraga, dia de texto de reflexão da historiadora, professora universitária, poeta e escritora de Dourados (MS), Joana Prado Medeiros, com seu Diário de uma Idosa 107.
DIÁRIO DE UMA IDOSA 107
Meados dos anos 70. Ele fitava a estrada de chão os carros deixando um rastro de poeira cobrindo a visão. Ele ligava seu rádio de pilhas, tomando chimarrão. Sua morada um casebre de madeira três peças. Em seu quartinho uma cama um banquinho e suas roupas penduradas em um arame. Na cozinha uma prateleira com suas velhas panelas um fogareiro a chaleira e a cuia um jirau um pote de barro uma bacia. O banheiro com chuveiro de cordas. Na saleta uma escrivaninha, uma máquina de escrever, um lampião Aladim, notas fiscais e papel carbono uma almofadinha coberta de tinta e seu carimbo: Pedro Medeiros - ATE ( Agente Tributário Estadual - MS) chamado de Guarda Fiscal uma cadeira e um banco para os contribuintes. Ao fundo o capinzal do lado direito uma árvore um poço e um balde no sarilho. O cachorro Rex ouvia ele falando sozinho. Na frente de sua casa marcando o local havia um travessão de caibro com uma tábua pintada de amarelo e azul escrito a mão os dizeres: "POSTO FISCAL - Porto Mercedes". O local cem metros da ponte do rio Dourados, região de fronteira próximo ao Paraguai. Não havia proteção policial em períodos de alta safra as vezes dois policiais montava acampamento ali para ajudar. Também o exército em suas manobras de vez em quando também por ali ficavam. Mas a maior parte do tempo ele trabalhava sozinho com seu revólver 38 sempre na cintura e a guaiaca cheia de balas. Não havia um cofre e todo o dinheiro arrecadado era guardado em uma sacola velha xadrez sob o cuidados de uma lamparina e fumaça. Ao final do mês ele pegava toda aquela dinheirama e rumava para Ponta Porã cidade que faz divisa com o Paraguai. Viajava de ônibus ele não tinha um carro estadual para utilizar. Ia direto para a Delegacia de Fazenda Estadual prestar contas. Caminhava à pé de peito ao vento, chapéu e pala nos ombros nunca foi assaltado, nunca precisou apertar o gatilho e por muitas vezes teve que prender os caminhões com mercadorias sem notas fiscais enfrentando sem tremer o bigode os zangados motoristas. Porém, foi tomado de assalto sua alegria, ficava longe de casa por dias e dias e as vezes por meses. A solidão lhe calou fundo...A responsabilidade pesava e o pavor era obrigado a se vestir de coragem...Meu pai chegava em casa com o maxilar apertado e o olhar distante...Nunca mais a solidão se apartou dele. Nunca mais...Ficou feito uma nódoa. Nunca mais...Choro.
( Joana Prado Medeiros - 04/04/2022) Ainda é Pandemia.
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