Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de poesia com a escritora e poeta de Amambai (MS), Helena Pereira, com Ontem.
ONTEM
Por Helena Pereira
Fui ontem buscar dentro de mim um último fio de dignidade;
E percebi que pouco havia restado de tudo o que tentei ser.
Tentei vestir-me como a ocasião pedia.
Há tempos não escolhia uma roupa, pegava-as a esmo.
Soltei os cabelos, escovei-os e prendi-os como pude.
Olhei para as maquiagens, tristemente.
Já não lembro mais como se maquia uma mulher.
Tentei, errei, por fim passei lápis apenas.
Ficou bom.
Afinal, de que me serve esta máscara se não pode mascarar minha tristeza.
Os dias do ano atropelaram-se de tal forma,
que o meu corpo ficou maior que as roupas que tinha.
Não sobrou muita coisa a ser escolhida.
As sucessivas desilusões levaram a uma depressão silenciosa,
que não há chocolates ou carinhos que consolem.
Vesti-me com algo que me parecia melhor, no entanto, a decadência não me proporcionara nem um espelho para que eu observasse o espetáculo grotesco.
Passei com cuidado uma gota de perfume.
Já se ia escurecendo e, ao pensar em um sapato de salto para acompanhar o figurino, lembrei-me do cansaço do dia inteiro de trabalho que me fazia inchar as pernas e desisti...
Coloquei logo um tênis, por precaução, porque também chovia.
Nesse ponto já não era nem homem nem mulher.
Já não havia algo que se pudesse fazer para que o sorriso voltasse porque acima de tudo deixei de acreditar nas pessoas. Principalmente aquelas a quem havia me dedicado tanto. Tentava achar dentro em mim um motivozinho sequer para parecer um pouco mais arrumada, e havia.
Tinha-se que tentar de novo, de novo e de novo.
Porque se eu abandonar-me como fizeram os outros, é sinal que nada valho.
E assim puxei o capuz sobre a cabeça como se fosse uma capa abençoada.
E fui distribuir o meu sorriso triste por aí.
Parabéns