Segunda-feira no Blog do Alex Fraga é dia de poesia com o poeta, professor universitário e escritor de Campo Grande (MS), Isaac Ramos, com "Alma".
ALMA
(Isaac Ramos)
Hoje há frestas no poema
Faltarão palavras
Se não houver um chão de letras
Seja pela transcendência de uma experiência concreta
Seja pela impaciência de um poema processo
Beberei à saúde da poesia
Experimental, cibernética ou tradicional
Nada disso importa
Ainda que haja um coito com letras
E que o amanhã se erga em mármore ou areia
Ou que a renda se desfaça
Entre traças e teias
Ou se transforme
Em pó de serra
Ou pirilimpimpim
Ainda que a vagina rejeite
A ausência insípida do sêmen
Ainda que haja protesto
Pela última ceia decente
Ainda que um coito se interrompa
E haja a epifania das nádegas
Ainda que seja anunciada a alvorada dos seios
E que a união de todos os pecados
Seja ungida pela permissividade dos beijos
Desejarei internamente a inconsútil lírica
Defenderei a permanência de um único verbo
E filtrarei os indesejáveis adjetivos
Trombetas, fanopéias, melopéias
São multidões que enlouquecem
Nas veias abertas e imberbes dos versos
Quando as trompas do ovário fecharem suas portas
Nenhum estilo otário ficará em pé
Quando o poema se desfizer de seus versos
Nenhuma mulher conseguirá tocar um oboé
É por isso que os poetas morrem
Em busca da metáfora perfeita
E na imperfeição das formas que deformam
Vogais e consoantes se corrompem pelo ritmo dissoluto
Nenhuma metáfora de efeito
Poderá reverter o processo
O mau uso das claves de som
Esvaecerá o pavio de luz
E acenderá a escuridão que tece
O olhar triste do poema
Luzes
Cavernas
Cloacas
Tudo ziguezagueia sobre as partes íntimas do poema
Há frestas diversas
Tão devoradoras quanto essas
O poeta não vive sem alma
(Do livro TEIAS E TEARES, 2014, p. 21-22)
Sempre ótimo o Isaac.
Solange Maria
Campo Grande MS
❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️