Ela morou em Campo Grande por 20 anos e teve uma passagem importante na história das artes e jornalismo. Sandra Menezes atualmente reside no Rio de Janeiro. Essa carioca é escritora, jornalista, cantora e atriz. Em entrevista a Blog do Alex Fraga comenta sobre sua aposta na literatura, onde lançou uma obra afrofuturista e esteve entre as finalistas do conceituado Prêmio Jabuti no ano passado. Comenta sobre seu tempo por Mato Grosso do Sul e o carinho que tem por essa terra. Entre seus planos está em retornar ao Estado e lançar presencialmente sua obra.
Fotos: Sergio Santoian e Camila Curty
Blog do Alex Fraga - Por muito anos você morou em Campo Grande e além do jornalismo (foi a primeira apresentadora preta na televisão no MS), participou do cenário musical do Estado, inclusive lançando seu primeiro CD. Conte um pouco da sua trajetória por aqui…
Sandra Menezes - Foram vinte anos da minha vida em Campo Grande. Com certeza um período em que coisas importantes me aconteceram. A maior delas foi ter tido uma filha campo-grandense. Fui repórter da TV Campo Grande e da TV Morena e isso me permitiu conhecer a cidade rapidamente e também o Estado, quando fui assessora de comunicação no governo durante alguns anos. Pude exercer algumas funções na TV Educativa, fui produtora, editora, roteirista, apresentadora e diretora de programação e isso me enriqueceu não só como pessoa mas também abriu o meu campo de criação. E, claro, sinto orgulho de ter sido a primeira mulher preta a aparecer nas telas das TVs do Mato Grosso do Sul. Tenho amigos tanto no jornalismo e publicidade como na música, e até das duas coisas juntas. No cenário musical tive as portas abertas por artistas como Iso Fischer e Paulo Simões, com quem cantei por bastante tempo. Consegui realizar uma carreira solo tendo do meu lado Celito Espíndola e Jerry Espíndola, Lizoel Costa e outros músicos de quem sinto muitas saudades, como Lucio Val, Toninho Porto, Pedro Ortale, Orlando Brito e tantos outros. Campo Grande me deu as oportunidades de realizar as coisas que eu gosto de um jeito muito natural, diferente do que acontece aqui no Rio, por exemplo, onde a competição é bem maior e o acesso ao palco é mais complicado. Ainda assim, reencontrei aqui o Claudio Birra, meu amigo, um artista potente, sensível com quem fiz apresentações com um repertório belíssimo de músicas de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Tenho saudades das ruas de Campo Grande por onde andei muito a pé, principalmente quando cheguei para trabalhar como repórter e saía andando ou de bicicleta do final da rua Bahia até o alto da Calógeras, onde ficava a TV Campo Grande. Depois as coisas foram avançando, tanto no jornalismo quanto na música. Em vinte anos não parei de trabalhar nesse Estado e a maior recompensa foi o carinho das pessoas com quem convivi. Estou de volta ao Rio desde o ano 2000, mas continuo em contato com os amigos pelas redes.
Blog do Alex Fraga - Seu primeiro romance "O céu entre mundos", lançado em 2021 abriu definitivamente as portas para a literatura em sua vida. Como surgiu a ideia da sua primeira ficção afrofuturista ?
Sandra Menezes - Acho que uma das razões é porque eu sempre gostei muito de ficção científica, principalmente dos seriados de TV que eram muito conhecidos na minha infância nos subúrbios do Rio como Túnel do Tempo, Perdidos no Espaço e outros. A história de O céu entre mundos vem dessa memória e de querer que existam protagonistas negros no espaço. Com certeza isso tem a ver com a ausência desses personagens nos conteúdos que me chegavam, tanto no audiovisual quanto nos livros ou nos quadrinhos. Enfim, onde estariam os pretos como eu no futuro? Isso ficou rondando a minha cabeça e a história foi se desenvolvendo. Eu queria também ir atrás da minha herança africana, esse arcabouço que está na fonte da cultura afro-brasileira, mas que muitos de nós pouco acessa, já que a gente passa um tempão da vida fazendo tudo para se encaixar no mundo eurocentrado, pautado pela filosofia, política e valores brancos. Quando a gente consegue parar para refletir sobre isso, é perturbador, porque, até intuitivamente, a pessoa preta sabe que está faltando alguma coisa na sua história. Então, para mim, foi uma oportunidade de pesquisar raízes, de tomar um caminho que me levasse à literatura de entretenimento, de aventura, abordando vários tipos de tecnologias, principalmente as do saber ancestral. Descobri que o que ando fazendo é literatura de ficção científica afrofuturista. Tenho tido um bom retorno dos leitores e estou feliz com esse caminho.
Blog do Alex Fraga - E o canto lírico ? Como foi essa experiência em participar de vários recitais ? E aproveitando, você tem um grande trabalho como atriz, inclusive com participações em novelas... Parou ? A literatura é seu caminho definitivo ?
Sandra Menezes- Quando saí de Campo Grande já estava atuando na música de concerto há um tempinho. Fui violinista na Orquestra Clássica do maestro Vitor Diniz e cheguei a cantar como solista em algumas apresentações a convite dele. Frequentei o Arte Viva, da Clarice Maciel e Evandro Higa, sempre estudando e sendo acolhida com amizade e carinho. Só tenho lembranças boas. Aqui no Rio integrei um núcleo de ópera participando de recitais e saraus com apresentações solo, em duplas ou grupos maiores interpretando trechos de óperas conhecidas. O repertório clássico é emocionante e exige sempre muito estudo e dedicação. Quando as oportunidades aparecem eu abraço. Quanto ao lado atriz, não chegou a ser um grande trabalho, mas sim algumas participações em três novelas, duas da Record e uma da TV Globo, mas nada de vulto. Foi bem divertido e não fecho totalmente a possibilidade de fazer de novo. Já a escrita, aí é outra história. Desde 2018 quando deixei de trabalhar como jornalista, resolvi cair dentro da ficção como quem abre uma porta que sempre esteve na sua frente mas você não tinha a chave para abrir. O começo foi com a publicações de textos em antologias, ao todo seis, e por seleção em concursos. Aí veio essa trajetória linda do meu livro solo, chegando ao top 5 dos finalistas do prêmio Jabuti na categoria de romance de entretenimento. Não sei se a literatura é um caminho definitivo, acho difícil a palavra, mas penso que é algo que eu posso continuar fazendo até envelhecer, porque escrever só depende de mim mesma, e posso fazer em qualquer lugar onde eu esteja vivendo.
Blog do Alex Fraga - Artistas discutem muito sobre o gerenciamento dos órgãos culturais. O que está de errado no setor, o que está faltando para que se valorize mais as artes, principalmente a literatura.
Sandra Menezes -Tem muita coisa ainda por fazer. Acho que isso começa pela real valorização da arte e da cultura no país. Ainda hoje se você fala que é artista, há quem pergunte “sim, mas no que você trabalha mesmo?”, como se ser artista não fosse o bastante. E num outro aspecto, é tanta burocracia para que se consiga a aprovação de um projeto e recursos que possibilitem uma realização do jeito que o público merece que ela seja entregue. O artista ainda depende demais dos grandes veículos de comunicação, e estes estão muito mais focados no uso comercial da arte e da cultura do que na sua importância como formadora de consciência crítica das populações. Mas tenho esperança de que as coisas vão melhorar como um todo, na literatura também. Há que se ter mais publicações de escritores negros, indígenas e LGBTQIA+ no mercado. E tenho expectativas sobre ações de democratização do livro com políticas de diminuição de custos, desde a produção, a feitura do objeto livro, passando pela remuneração justa do autor, até a redução do preço final para o leitor. O brasileiro gosta de ler, porque, mesmo com a internet, as pessoas continuam procurando pelo livro físico. Então, o acesso a ele tem que ser possível. Deve-se pensar seriamente no aumento da aquisição de títulos pelo governo para distribuição gratuita a todo e qualquer público, já que pagamos tantos impostos. E não só de livros didáticos, mas também de diversos gêneros que as pessoas queiram conhecer, mergulhar em histórias de diversidade com as quais se identifiquem e que fortaleçam a nossa existência a partir dos olhares contracoloniais.
Blog do Alex Fraga - Quando Mato Grosso do Sul receberá sua visita para lançar seu trabalho literário ?
Sandra Menezes - Não poderia dizer uma data ainda, mas tenho vontade de viabilizar isso de alguma forma, mesmo que seja um pequeno encontro com os amigos para que conheçam o meu livro e para matar as saudades.
Blog do Alex Fraga - Seus projetos para 2023 para a literatura e outros setores das artes…
Sandra Menezes - Estou escrevendo meu segundo livro desde o ano passado e espero terminar esse ano. Os planos são vários no que tem a ver com a escrita, para outros formatos também, não só o literário. A música eu não abandono e sei que daqui a pouco vou me envolver de novo com o canto. É da minha natureza, acho eu.
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