A entrevista desta quarta-feira no Blog do Alex Fraga é com o músico, ativista cultural, ex-presidente da Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul e um dos principais artistas do Estado. Pedro Ortale fala sobre política cultural e suas mudanças constantes, sua história e envolvimento na Cultura desde que chegou em terras sul-mato-grossenses e seus planos para o próximo ano como músico.
Blog do Alex Fraga - Você é de Barretos (SP), mas tem suas raízes há anos no MS. Conta um pouco de como se envolveu com a música por aqui e como tudo começou seu envolvimento com a cultura?
Pedro Ortale - Eu transito por esse território há muitos anos. Minha família veio de Barretos pra Dourados no final da década de 1960. Mato Grosso ainda era um único estado. No início de 1980 viemos pra Campo Grande. Nessa época eu já tocava violão e tive a oportunidade de participar do grupo Terra, uma das primeiras experiências na dimensão profissional. Logo após o Terra, participei do Grupo Bem Vira, com Gilson Espindola, Paulo Gê, Antônio Porto, Marcos Mendes, Gilberto Verardo e Celso Cordeiro. Em seguida toquei por cerca de 4 anos com Almir Sater, Renato Teixeira, período em que morei em São Paulo. De volta a Campo Grande, me dediquei ao baixo, instrumento do qual gosto bastante. Foi um período que toquei com muita gente, quase sempre junto com o Fernando Bola, amigo de infância, baterista de forte pegada. Éramos muito requisitados. (risos)
Meu envolvimento com a Cultura, com política cultural, teve início no final dos anos 90. Fiz parte do Conselho Estadual de Cultura, vivi minhas primeiras experiências de realização de projetos culturais: o Temporadas Populares e o Festival de Inverno de Bonito, coordenado pelo Nilson Rodrigues. Foram práticas marcantes, sementes que germinaram meu interesse para a gestão cultural. No início de 2002, fui convidado a dirigir a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul - FCMS. A partir disso, não parei mais, ao sair da FCMS passei quase 03 anos na Fundação Nacional do Índio, em Brasília, como coordenador geral de artesanato. Em seguida, na esfera privada, administrei a empresa Mercado Cultural. Em 2012 fui para o Ministério da Cultura e lá fiquei até 2016 na organização do Sistema Nacional de Cultura. Por último, passei uma temporada no Ceará, onde administrei o Museu da Fotografia Fortaleza e trabalhei em projetos culturais em Jijoca de Jericoacoara. Nesse meio tempo cursei uma pós-graduação em Gestão Cultural, pela Universidade de Brasília, e um Mestrado em comunicação, onde estudei o processo de organização do Plano Municipal de Cultura de Campo Grande. Em uma retrospectiva, posso afirmar que a área cultural seduz.
Blog do Alex Fraga - Esteve à frente da Fundação de Cultura do MS. Por quê essa dificuldade dentro do governo em apoiar a área cultural? Por quê se beneficia uma parte de artistas, principalmente da Capital e o interior nunca é visto? Como analisa a política cultural do governo que está deixando? É favor da continuidade? Por que essa dificuldade dentro do governo em apoiar a área cultural?
Foto: Rogério Medeiros
Pedro Ortale - Em meu entendimento, isso envolve uma série de questões, mas eu destacaria principalmente a falta de compreensão acerca da centralidade da cultura, nas mais variadas dimensões da vida, desarticulada do horizonte por onde deve ser desenhada a política para o setor. Diante dessa situação, como efeito colateral, os marcos legais, quando presentes, são negligenciados, a participação social na pactuação e deliberação da política ocorre de forma atrofiada, o planejamento é precário e os recursos, de modo geral escassos, são mal-empregados.
Por quê se beneficia uma parte de artistas, principalmente da Capital e o interior nunca é visto? - Penso que é sobretudo por dois motivos: 01 – uma boa parte da produção artística do estado estar concentrada em Campo Grande, 02 – falta de estruturação de uma política estadual para o setor. É oportuno destacar que a política cultural não se circunscreve a produção artística. É fundamental que se constitua também políticas voltadas para o livro, leitura e literatura, sistema de museus, de bibliotecas, tombamentos, registro imaterial, formação, memória, grupos de identidades, povos e comunidades tradicionais....... Nesse sentido, acho que MS está com saldo devedor de uma política estadual mais qualificada, robusta, descentralizada e democrática.
Como analisa a política cultural do governo que está deixando? - Estive fora do estado por quase todo o período de vigência desse governo. Diante disso, não tenho como fazer uma análise mais criteriosa. No entanto, do que percebi nesse ano e meio que estou de volta é que se avançou pouco no sentido da prática de uma política integralmente sustentada em bases institucionais e com ampla participação social. Em minha opinião, apenas com o fortalecimento institucional será possível estabilidade e melhoria da política pública de cultura, seja aqui no estado ou em outro lugar qualquer. Nesse sentido, para MS penso ser fundamental a revisão (e aplicação) da lei do Sistema Estadual de Cultura e do plano estadual de cultura. É preciso que esses instrumentos sejam a cartilha que guiará o desenvolvimento da política pública. Com o Sistema funcionado e o plano sendo realizado com planejamento e metas definidas anualmente a maior parte do investimento será canalizado para programas e projetos que beneficiam a arte e a cultura sul-mato-grossenses. Sem isso, abre-se a porta para que os investimentos sejam feitos de modo discricionário, o que, em minha avaliação, subverte as melhores práticas na administração pública, abrindo espaço para o surgimento de movimentos pouco republicanos. Sabemos todos que os recursos sempre são parcos, o que obriga fundamentalmente a se fazer escolhas e substancialmente planejar. Não consigo imaginar a priorização de investimento em shows vinculados a indústria cultural em detrimento a equipamentos culturais fechados ou em funcionamento precário. Não é razoável ficar um teatro fechado por anos, caso do Aracy, ou ter o Museu de Arte Contemporânea – MARCO no estado em que se encontra, precário!!! É favor da continuidade? Sou a favor da alternância
Blog do Alex Fraga - Há mudança de governo em 2023. Para você com a Cultura englobada como outros setores como Turismo, Esporte, Cidadania, complica mais ainda? Qual o perfil de um secretário e também dirigente da Fundação de Cultura?
Pedro Ortale - Sempre defendi que a cultura, por sua importância e complexidade, deveria ter pasta exclusiva. Esse, inclusive, era o posicionamento do Ministério da Cultura, onde trabalhei durante 4 anos como coordenador geral e diretor do Sistema Nacional de Cultura. Sei que os pequenos municípios brasileiros não têm condição de ter pasta exclusiva para a cultura, mas acho que os estados deveriam ter. Por outro lado, entendo que esse movimento de aglutinação de pastas é resultante da percepção sobre o tamanho do Estado, que varia dependendo da corrente política. A junção de pastas de modo geral nas reformas administrativas se inscreve sob o signo de melhoria de gestão, associada ao enxugamento da máquina pública, e na perspectiva da intersetorialidade e a transversalidade na elaboração e execução das políticas. Vamos ver logo mais como se dará isso na prática do próximo governo. Acho pouco provável que o secretario, seja ele quem for, tenha conhecimento sobre as especificidades de tantas áreas assim. Diante disso, ainda saberemos em qual departamento ou andar residirá a parte crítica, o local de elaboração das políticas especificas requeridas para cada um dos setores. O perfil do secretário, diante dessa quantidade de pastas, me parece deva ser o de alguém que tenha bons ouvidos, boa capacidade de gerenciamento e de aglutinação. Ao dirigente da fundação espero que seja alguém que tenha capacidade executiva e que também compreenda que cultura não se restringe na realização de grandes eventos. A área cultural é um mundo!!!!!
Blog do Alex Fraga - Você considera que existe uma definição mais apropriada para o termo Cultura? Qual seria? E por quê?
Pedro Ortale - Cultura tem inúmeras acepções. Com relação às políticas culturais, é fundamental que se compreenda a diferença entre cultura nas dimensões antropológica e sociológica. O Ministério da Cultura trouxe um pouco essa reflexão, o que provocou uma espécie de alargamento no escopo do objeto das Políticas Culturais no País para além dos campos da produção artística.
Blog do Alex Fraga - Na sua opinião, qual o motivo de algumas regiões, localidades, manifestam com mais força, frequência a sua Cultura?
Pedro Ortale: Os laços de identidade são o motivo e a estrada que possibilitam a manifestação cultural vigorosa, que se perpetua sem deixar de incorporar mudanças, é presente sedimentado pela memória coletiva. O Brasil é um celeiro de diversidade de expressões artísticas e culturais.
Blog do Alex Fraga - Para 2023 quais são seus planos como artista? Sabemos que está desenvolvendo um trabalho técnico governamental, está deixando de lado o trabalho como músico?
Pedro Ortale - Em 2023, quero que a música ocupe um espaço maior em minha vida do que foi nos últimos 15 anos, período que estive muito ligado a gestão cultural em Brasília, e mais recentemente no Ceará. Estou tocando no show da Maria Alice, em que ela homenageia Paulo Simões. Quero produzir meus temas instrumentais. Atualmente, estou estruturando um trabalho com o Gilson Espindola, um dos melhores cantores que temos no MS. Quero me dedicar também ao estudo do violão de 7 cordas, instrumento que adoro tocar.
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