O multi-instrumentista, cantor, produtor musical, o campo-grandense Antonio Porto, (sim, Antonio sem acento), um dos principais músicos do país, é o entrevistado dessa quarta-feira no Blog do Alex Fraga. Há alguns anos morando em São Paulo, o artista pode ser considerado "cidadão do mundo". Tocou com grandes nomes da música brasileira e também da Europa, principalmente na Alemanha e Áustria (país que ama de paixão). Ele comenta sua trajetória artística e também sobre projetos culturais, órgãos que gerenciam a Cultura no Mato Grosso do Sul entre outros assuntos na área de grande relevância.
Blog do Alex Fraga - Conte um pouco quem é Antonio Porto? Como começou a música em sua vida?
Antonio Porto - Eu tenho origem numa família nordestina muito simples, mas que possui um tesouro raro: ninguém canta desafinado. Todo mundo canta direitinho. Isso já diz muito sobre musicalidade. Então meu caminho foi natural. Eu nem me lembro quando e como eu comecei a tocar. O violão era uma espécie de móvel que fazia parte da modesta mobília da minha casa. Estava sempre ali, fácil de ser acessado. Então, o que me lembro, é de estar descobrindo seus encantos e, volta e meia, meu saudoso irmão e primeiro mestre, Chico, (10 anos mais velho que eu), e também meu pai , ambos ótimos violonistas, passavam por mim e me corrigiam ou ensinavam algumas coisas. Depois, no início do ginásio, fiz um teste para ir estudar em um colégio (internato) católico em Araçatuba e fui aceito. Lá, eu pude ter acesso a vários instrumentos que não teria condições financeiras de tê-los e poder praticá-los. Lá eu tive meus primeiros contatos com bateria, piano, trompete (na época a gente falava Piston) , fiz parte do coral da escola, fiz teatro... A gente jogava bola ao som de Raul Seixas e Hermeto Pascoal nos alto-falantes do pátio que dava direto pro campo de futebol. Sou muito grato a tudo que vivi nesse colégio assim como a todos que lá conheci. Com alguns, eu tenho contato até hoje. Quando terminei o segundo grau, que era o tempo máximo de permanência lá, o padre diretor, Eloy, teve uma prosa comigo e me disse: cara, siga o caminho da música. Você pertence à ela. Foi a prosa mais rápida e mais importante que tive na vida. E um orientador, Nicolino, me deu uma fita cassete só com músicas do Hermeto Pascoal. Aquela que tocava nos alto-falantes. Pronto... eu estava encaminhado. Voltei para Campo Grande e meu irmão viu que estava na hora de me apresentar e falar sobre Walter Smetack. E eu misturei isso tudo à MPB de Chico, Caetano, Gil, Milton... e às músicas dos meus conterrâneos geniais. Pronto...a partir daí só dependia de mim. E eu fui...
Blog do Alex Fraga - Você já tocou com grandes nomes da música brasileira, no entanto sempre esteve ligado aos músicos do MS. Ainda existe essa troca musical? Cite alguns que considera especiais...
Antonio Porto - Eu fui acolhido ainda muito jovem, mais precisamente com 15 anos de idade, naquela que podemos denominar a mais importante geração musical do Mato Grosso do Sul. A turma dos grandes compositores. Eles "me pegaram no colo " , a bem dizer, e, entre puxões de orelhas e muitos elogios à minha musicalidade, eu fui crescendo com eles, e por eles também. Então, não tem como eu me desvincular dessas pessoas. O meu agradecimento a todos, é perene. Por isso que, nos dias de hoje, mesmo que tenhamos nos tornado amigos, parceiros, eu ainda sou muito fã e tiete de todos. Hoje, retribuo esse acolhimento que tive, abraçando as gerações posteriores que me apresentaram talentos maravilhosos e me encantaram. Virei uma espécie de endossador de tesouros (risos) porque eu chego e taco lenha na fogueira mesmo e exploro o que for preciso da liberdade musical de cada um. Preparo o terreno e eu quero ver é todo mundo tocando tudo o que sabe quando está comigo. Pra mim, isso é a essência da música. Essas minhas posturas, criaram um elo de afeto e respeito muito grande entre eu e os músicos de todas as gerações de Campo Grande, de onde saí muito cedo mas sempre fui o filho pródigo. Nem que fosse por um breve tempo ! Com 21 anos, o Almir Sater falou de mim para o Renato Teixeira. Vim para São Paulo e ele nos apresentou, ou melhor, presenteou. E eu comecei a fazer parte da sua banda tocando violão de 12 cordas. Foi quando fiquei morando definitivamente em São Paulo onde passei a tocar com um montão de gente além , é claro, do próprio Renato. Fiquei nessa toada até ir pra Europa e recomeçar minha história. O que aconteceu na Europa, superou qualquer expectativa minha. Mas, o meu elo com Campo Grande, sempre esteve presente. Nunca perdi. Quanto aos músicos que considero especiais, me resumo a dizer que são todos aqueles que já sorriram, se emocionaram e dividiram comigo a mágica e as emoções da música nos palcos. Desde aqueles já eternizados do primeiro grupo que toquei, o Benvirá, até os dias de hoje. Sou fã da musicalidade que paira no ar de Campo Grande e que esses músicos absorveram divinamente. Essa cidade, proporcionalmente falando, é um dos lugares onde tem mais talentos que eu conheço. Adoro !!!
Blog do Alex Fraga - Tem uma relação grande com Viena. Conte sua experiência em morar e tocar lá. O que aprendeu de mais importante na sua carreira?
Antonio Porto - Eu só tenho uma palavra para definir Viena e a Áustria na minha vida: amor. Muito amor! Em Campo Grande, eu nasci e comecei. Em Viena, eu cheguei e renasci. São as duas cidades mais importantes da minha vida. No mesmo nível! A Áustria me levou para o resto do mundo. Fui acolhido lá por todas as "tribos" . Do jazz ao rock, da MPB à Salsa, da Música Africana ao Reggae, do Pop Austríaco à World Music. Aprendi muito. Aprendi tudo o que foi necessário para poder fazer a música que faço hoje. Mesmo depois de tantos anos, eu não fui esquecido por lá. Eu fiz parte de uma família de verdadeiros amigos, incluindo brasileiros que como eu retornaram pra viver aqui. Gente que eu tenho muito afeto e sou eternamente grato. A gente aprendia muito uns com os outros. Cada um trazia o seu melhor. Havia empatia, generosidade e muito respeito. Se eu for pra Viena, em qualquer momento, eu tenho casa pra morar e trabalho. Isso é fato! Entre os inúmeros trabalhos que participei na Áustria, o Hubert von Goisern, por exemplo, que é um dos principais expoentes da música cantada no idioma alemão, e com quem eu toquei na primeira metade dos anos 2000, gravou em fevereiro de 2020 aquele que, ele mesmo me revelou ser o seu último CD, pois, agora, depois dos 70 anos de idade, ele quer se dedicar à outras atividades que a sua intensa vida de músico não lhe permitiu. Uma boa e merecida aposentadoria, vamos dizer assim. E, eu tive a honra de ser convidado por ele para fazer parte desse trabalho. Ele me ligou e disse que faria questão que eu estivesse presente nesse seu último CD, afirmando então a importância que eu tive em sua música. Algo que de minha parte é muito recíproco! Quando toquei com ele, fazíamos mais de 100 concertos por ano. Receber um convite como esse, para a Áustria, assim como para mim, tem um significado imensurável. Enfim... isso é a Áustria. Isso é Viena em minha vida. Viena que, por sinal, vem nos últimos anos liderando o ranking do melhor lugar do mundo pra se morar. Tem seus problemas? Claro que tem! Mas por isso mesmo é o melhor lugar. Não é perfeito , mas eles aprendem com as imperfeições. Elas não são ignoradas. Pra mim, é a melhor cidade do mundo. E para o vienense também. Eu me considero, pelo coração, e pelo meu sotaque quando falo alemão (risos), um cidadão vienense.
Blog do Alex Fraga - Falando em política cultural. Sempre foi um ferrenho crítico sobre as "escolhas" de pessoas que "dirigem" o setor no Mato Grosso do Sul. O que realmente acontece de errado nos órgãos culturais na sua visão. Por que a Cultura sempre anda capengando nesses setores ?
Antonio Porto - Essa resposta é bem longa (risos). Mas acho importante ser detalhada, pois contém até várias dicas que, por ser um cara legal e não pensar só em mim, estou dando até de graça. Talvez um dia eu faça um livro. Já teria até o título : Mato Grosso do Sul, Cultura arrasada. Mas esse é um livro que eu não gostaria de escrever... Embora isso seja um assunto que já me desgastou, também não dá pra ser muito sucinto sobre ele. Na verdade, as minhas críticas mais incisivas sempre foram voltadas aos grandes eventos realizados no Estado dos quais os valores são astronômicos. Não condizem com a nossa condição. Paralelo a eles, acontecem outras atividades das quais eu nunca critiquei. Até no Som da Concha eu apareço às vezes quando estou em Campo Grande. Apesar do critério absurdo dos editais, é uma boa ideia. Aquele espaço da Concha Acústica Helena Meireles é ótimo, mas na minha opinião, poderia ser melhor aproveitado. Aquela concha menor, por exemplo, (tem gente que nem sabe que ela existe). Dá até pra dormir ali sem ser incomodado (contém ironia ). A grana com que construíram ela, poderia por exemplo, nos dias de hoje, ser investida numa boa melhora e restauração de espaços deteriorados que é o que não faltam em Campo Grande. As gestões culturais têm que pensar nos espaços físicos e lembrar que eles um dia vão precisar de manutenção. É igual uma casa, é igual a vida humana. O tempo é implacável e até a história ele mata quando ela não é devidamente tratada. E por falar em história... Em relação aos festivais de Bonito, de Corumbá e agora mais esse outro que inventaram em Campo Grande, o mínimo que eu posso fazer é criticar mesmo. Acho que esse senso crítico tem que existir, afinal, é dinheiro público DA cultura e PARA a Cultura. Órgãos públicos destinados à esse setor, não podem ser usados como mecanismos de entretenimento para "bel" prazer de uma bolha campo-grandense que parece ter ideias na "mesa de um boteco". Esses órgãos têm muitas obrigações. Entre elas, imprescindivelmente, estão a difusão e a reintegração do nosso Estado culturalmente. E isso é um trabalho muito sério. Não pode ser tratado de forma superficial. E "pelo andar da carruagem "... é urgente. Então, vamos aos fatos das minhas "críticas". É tudo uma uma questão de eu não concordar em como os recursos são utilizados. Nada mais. Veja bem; cidades tão importantes como Dourados e Três Lagoas que são, por sinal, geograficamente as cidades mais bem situadas do Estado e que por isso atenderiam um público de uma série de cidades vizinhas, já que elas, se situam em um complexo de distâncias muito próximas uma das outras, NUNCA houve um investimento cultural forte como se tem há anos em Bonito, Corumbá, Campo Grande (nem se fala)... e, essas cidades, pra quem não conhece, estão entre as que mais cresceram no Estado nas últimas décadas. Qual é o pretexto pra isso ? É o exotismo do turismo no Pantanal e em Bonito? Se for esse o pretexto, é no mínimo um descaso com toda a parte cultural. O turismo nesses lugares tem potencial para continuar com ou sem Festival e, Campo Grande, de qualquer maneira, já é uma cidade muito visitada por ser uma capital. Sem contar que deve ter uma específica verba do setor turístico pra isso . Se não tem, deveria ter. E, mesmo que hoje em dia, os órgãos de cultura e turismo sejam unificados, não se pode misturar as coisas e as demandas, como são misturadas.
Até porque, caso a intensão seja incluir a cultura de MS em uma agenda turística (algo por sinal muito pertinente), o que é apresentado nesses festivais é totalmente fora do contexto. Outro fator que é evidente: mesmo as atrações sendo de graça, a logística para se ir a um evento (relâmpago) como são esses festivais, é muito cara. Fato !!! A Cultura tem que ser acessada também por pessoas que não tem grana ou tem pouca grana. Acho que não estou enganado quanto a isso. E o que vemos lá, com exceção de uma parcela do povo morador dessas cidades? Vemos dois tipos de pessoas: gente que tem grana - nem todos necessariamente são ricos, mas têm o suficiente para se fazer esse investimento - ou aquela turma que, se dormir na praça, tá tudo bem também. A turma do desapego. Isso faz parte. Ainda bem que tem gente assim desapegada, alternativa.... Mas, é só isso e basta ??? Além de que, no "caldeirão" dos privilegiados, encontramos muitos "influencers analógicos" convidados especiais! Alguns merecem... outros, não tem o porquê de ter um privilégio como esse. E, como ficam aquelas pessoas, que se importam com a Cultura, apreciam a arte, são trabalhadoras remediadas e das quais esses festivais são feitos com a contribuição delas também? Vai ter dinheiro pra ir pra Corumbá, Bonito, pagando hotel, comida ? É difícil. Quando se tem família então, é impossível ! Sem falar, daqueles que estão abaixo da condição de remediados. Há artistas inclusive nessa condição. Ou seja, por mais que bem intencionados, esses eventos não foram pensados para essas pessoas também, e estão aí há quase 20 anos torrando uma grana incrível e não trazendo absolutamente nada de transformador para a Cultura do nosso Estado e sua população. Erraram no início? Faz parte. O problema é que os erros permaneceram em todas as gestões. Nem empregos temporários nas cidades eles geram. A organização leva todo mundo de Campo Grande. Parece que as pessoas dessas cidades não sabem ler, não sabem escrever, não sabem falar, não sabem ligar um fio... já vi ocasião que levaram motorista de Campo Grande pra guiar as pessoas numa cidade que ele nem conhece direito. Acho isso um desrespeito. E, voltando ao público do qual estava falando, muita gente nunca teve condições pra ir nesses lugares e desfrutar do que lhes é de direito também. Eu acho isso muito injusto. E isso não é papo de comunista não, bicho. É o básico dos direitos sociais da população. Tem que acabar ? Não. Acabar, jamais. Inclusive o de Corumbá pode sim continuar com seu caráter internacional. Mas teria que reformular e fazer isso de forma puramente cultural, e sem a megalomania pão e circo. Tem que se fazer arte, ensinar arte, trocar arte, confraternizar arte, estimular arte. Dá pra se fazer coisas maravilhosas distribuindo melhor essas verbas, valorizando todas as regiões do Estado, criando vários festivais menores em forma de temporadas, com muito mais tempo de duração e alta qualidade cultural, dando a oportunidade das pessoas das cidades trabalhar neles, se envolverem com a causa, além de aumentar muito mais o acesso de público para as atrações. Isso sim seria um trabalho realmente sério, fundamentado em difusão cultural que é o que nós precisamos. Imagine você em Corumbá, por exemplo, os artistas vindos de outros países e permanecendo lá por uns dias, vivendo aquele pedaço do Brasil, interagindo com nossos artistas, dando palestras, oficinas etc... Olha que beleza ?! Isso melhora tudo, desenvolve nossa reintegração e nos traz a cognição de quem somos nós na história e qual a nossa contribuição nela. É utopia ? Não é !!!Tem dinheiro pra isso. É só chamar as pessoas certas. Conheço algumas. Há anos estamos querendo a criação de um mercado interno. Mas não tinha grana. Agora que tem , desistiu-se disso. A única coisa que esses megaeventos trazem para os artistas sul-mato-grossenses é aquele "cachezinho" (nunca perguntado, mas estipulado), que segura a onda por alguns dias. E para população resta nada mais que uma espécie de carnaval antecipado. Nada mais que isso. E festa por festa, meu amigo, o que não falta é festa neste país. Esse tipo de festival, como eles são feitos, não deixa herança nenhuma para o Estado, quanto menos para nossa identidade cultural. E quando se trata de verba do Estado, tem sim a obrigação de se olhar pelo Estado inteiro. Se é prefeitura, aí é uma outra questão. Então, dentro desse panorama de acontecimentos, eu que conheço muito bem a minha terra e seus grandes artistas, me considero até bem ameno nas críticas pois, se essas quantias milionárias que são exibidas do investimento estadual nesses festivais realmente existem, elas estão sendo muito mal utilizadas no desenvolvimento e no fomento do aspecto cultural da gente. O rasqueado um dia, patrimônio nosso ( lembra ,?) se "mudou" pra Cuiabá. Por que? Porque em MS ele ficou sem casa. Sem contar que, eu acho um absurdo, por exemplo, um evento que traz o nome de FESTIVAL AMÉRICA DO SUL PANTANAL (olha o tamanho da responsabilidade desse nome...) e sequer aparece na lista dos principais festivais do Brasil. É só procurar na internet. Não está. Nem o de Corumbá e nem o de Bonito. Além de não despertar nenhum interesse da grande imprensa nacional e sequer por grande parte da classe artística brasileira e tão pouco sul-americana. Tem gente que faz parte da organização, tem acesso a todo mundo e tira proveito disso. Mas...e os outros? Sacanagem, né? Eu moro em São Paulo, a maior cidade da América do Sul e , praticamente ninguém (nunca ) ouviu falar desse evento por aqui. Existem festivais bem menores em outros lugares, feitos com muito menos recursos e com argumentos que não chegam nem aos pés desse de Corumbá (e de Bonito também, apesar de lá não nevar e nem ter pista de esqui), mas que a maioria das pessoas conhece, se planeja pra ir, etc... Eu afirmo isso porque eu convivo com gente que tem como seu maior investimento pessoal o consumo da arte e elas não medem distância pra isso, se realmente for uma coisa que vá lhe acrescentar algo, e não com coisas que por aqui ou em qualquer outro lugar são realizadas e possivelmente até bem melhor. É um investimento caro. Tem que ter um retorno muito mais amplo que apenas um entretenimento, um passeio turístico, numa época que nem período de férias é. Ou seja, "fomento ao turismo" ? Só se for para aposentados, e aposentados ricos. Corumbá merece coisas históricas e lindas como é a cidade. Bonito merece coisas límpidas como suas águas. Eu poetizo tudo. É Cultura. Eu vi se divulgando a presença de 100 mil pessoas no último FASP. Ou seja, se Corumbá tem 112 mil habitantes, 12 mil de lá estavam viajando e quem sabe visitando outros festivais, né? E Corumbá não tem estrutura de hoteis e pousadas para comportar 100 mil pessoas visitantes em quatro dias. Tem coisas que são questão de lógica. A conta não fecha. Nada mais. Eu vivo fora da bolha campo-grandense e percebo nitidamente que tem alguma coisa de muito errada aí . Além do mais, o que significa o MS para os artistas de fora que vão participar, além de ir aí, pegar a (boa) grana e ir embora ? Gasta-se uma fortuna com shows que não dizem absolutamente nada. Não têm atrativo nenhum, a não ser o pão e circo. E são caros. Caríssimos. Os figurões nacionalmente conhecidos sequer assistem aos shows dos nossos artistas. Muitos não saem nem do hotel. Pra que essa postura nossa tão caipira, tão submissa... se a grana é NOSSA ? E, em decorrência dos gastos com esses shows e suas produções, outras atividades contam com estruturas e localidades que deixam, e muito, a desejar. Já vi situações que me deram até vergonha de ser músico perto dos meus amigos de outras áreas. Onde está o respeito a todos ? Inexiste. Mas, se o "agito da rapaziada" tá garantido, tá tudo certo , né ?! Não, meu amigo. Na verdade , está tudo errado! Isso não pode acontecer. Uma coisa eu te garanto: se não tivesse dinheiro público envolvido, eu não falaria nada. Mas tem. E tem muito. Se não tem... parem de nos iludir porque eu conheço, e muito bem, a situação do meu Estado.
Eu já discuti com muita gente sobre a minha ideia de se criar um movimento forte para que esses formatos de festivais acabem e recomecemos de uma outra forma. Com a grana que se gasta com os shows pão e circo, já paga praticamente tudo o que eu penso sobre um evento que seja realmente cultural. Formas essas que existem vários exemplos para serem citados. Porém, as respostas que obtenho dessas pessoas é ; "temos que agradecer por pelo menos alguma coisa estar acontecendo. Pior seria se não tivesse nada" !!! Ou seja, submissão ao extremo. Preguiça de ser feliz, bicho. Síndrome de Estocolmo. Sei lá... Então, eu desisti, pois jamais vou entender essa submissão e preguiça com tanto recurso para ser diferente e ser muito melhor. Cansei de gente que pensa no modo MONO. Eu penso no modo ESTÉREO! Poucos artistas leem o Diário Oficial. Eu leio. E é por isso também que sou convicto de que está tudo errado. E é por isso que eu ocupo um lugar de crítico. Porém, eu não me considero apenas um crítico. Me considero alguém que tem uma visão de que, o que é básico não é feito. E essa visão é baseada na reivindicação do básico. Ou melhor, não é critica, é súplica ! Eu vejo constantemente uma série de análises técnicas de muitas pessoas que têm opiniões realmente relevantes no assunto. Eu não sou técnico em políticas culturais, mas tenho minha ótica de artista e também de público observador. Não é porque eu sou um artista que deixo de ser público e que, como qualquer outra pessoa, necessito dos efeitos que uma cultura bem trabalhada traz para a sociedade. Eu sou parte dela. Mato Grosso do Sul precisa fazer o dever de casa! E isso implica em nos fazermos e nos sentirmos importantes e respeitados dentro dessa nossa própria casa. O resultado disso vai ser uma melhoria inconteste da nossa autoestima. Precisamos ampliar nossos espaços dentro do nosso próprio Estado e estourar essa bolha campo-grandense que ACHA que tudo vê, tudo sabe ! A pauta da difusão da nossa arte, dentro do nosso próprio Estado deve estar em primeiro plano. A difusão cultural de uma Secretaria de Cultura é um lugar mais importante até do que o gabinete do secretário. É o setor que deve pensar a Cultura e se preocupar com a nossa história que foi sendo morta ao longo dos anos em detrimento de coisas apenas passageiras. Chegamos ao ponto de se ter uma novela que o país inteiro assistiu e, com exceção do Almir que há muito tempo já é um produto nacional e Global, não se teve uma canção sequer de um compositor nosso, dos nossos cancioneiros. A trilha principal foi feita por um mineiro e cantada por uma baiana. É ruim? Não. Os dois são ótimos. Mas a produção musical de MS não deixa nada a desejar. E por que isso acontece ? Porque perderam o fio da meada. Jogaram nossa forte identidade no lixo. As pessoas que estão gerindo a Cultura ignoram a nossa história. E isso só se reverte com um investimento intenso e constante na difusão da nossa cultura. Eu quero ver nascer mais Espíndolas, Simões, Saters, Acabas, Rondons, Colmans, Rocas... Se juntar os investimentos que são feitos em Corumbá, Bonito e Campo Grande (e que o resto é esquecido), chegaríamos à uma conta de mais de 20 milhões. Se alguém, com toda essa grana, não conseguir fazer com que a nossa arte seja realmente difundida e consumida por todo um Estado, pequeno demograficamente do tamanho do nosso e até ultrapassar fronteiras, está trabalhando na coisa errada. E sou consciente, sincero e humilde a ponto de que, se alguém me desmentir sobre essas verbas, eu peço perdão e retiro tudo o que disse. Mas, eu falo isso há muito tempo e ninguém teve a coragem de me dizer que não estou certo. Ou seja, a grana é de verdade mesmo. Pra finalizar - Nos países desenvolvidos, ninguém reclama dos investimentos que são feitos em cultura. Por que ? Porque lá eles fazem certo. Eu testemunhei isso. Quando se faz tudo errado, tem que aguentar o "sarrafo nas costas". E fora da bolha campo-grandense, eu garanto, que a gente que está fora dela, percebe que está tudo muito errado.
Blog do Alex Fraga - Te incomoda ser cortado de projetos culturais no Estado por morar em São Paulo e sendo daqui, e outros artistas de outros locais são contratados e mais valorizados.
Antonio Porto - Vou começar pela segunda parte da sua pergunta. Com relação aos valores das contratações que são de fora do Estado, acho que já respondi quando falei sobre o que eu penso em relação aos formatos daqueles eventos que sofrem de megalomania. Ou seja, eu faria tudo diferente. Quanto ao cachê dos artistas sul-mato-grossenses, falta aquela sensibilidade de apenas uma pergunta: " Quanto custa o seu trabalho?" Essa pergunta também pode ser chamada de respeito. E isso muda completamente o tipo de relação. Outra coisa é que, editais não podem ser refúgio da incompetência e nem tão pouco podem vender a falsa e irresponsável ideia de que todo mundo está no mesmo patamar. Não é, e nem pode ser, nunca! E isso não é meritocracia. É reconhecimento, é responsabilidade. Quanto a eu me incomodar ? Pra ser sincero eu não me incomodo. Apenas lamento. Quem está perdendo não sou eu. Sou artista, porque vivo da arte. Mas, eu não me comporto como artista. Eu sou uma pessoa comum que faço música. Ser artista, dá muito trabalho (risos). Tem que fazer lobby, tem que pertencer à "agremiação das admirações superficiais", tem que fazer tipo de "pessoa especial ", sorrir quando quer xingar.... eu não nasci pra isso, bicho ! Eu não escondo minhas posições e elas são muito claras. Principalmente as políticas. E essas, nos últimos anos, vêm sendo muito divergentes das tendências que dominam Mato Grosso do Sul e Campo Grande. Eu levo à risca os direitos que tenho da democracia e usufruo deles. Então, se isso for um pretexto pelo qual eu não seja lembrado nas ações culturais vindas das gestões públicas, sinto muito dizer mas; isso é fascismo ! Eu prefiro pensar que os responsáveis pela máquina cultural da minha terra, não gostam de mim porque meu som não é "mudernu, simprão, mas cabicera", ou mesmo porque não me acham um bom músico e não veem tanto valor. Me recuso a pensar que seja por conta de uma represália segregadora e fascista. Isso, eu evito pensar. Embora muita gente já tenha me insinuado isso. Mas, confesso que fiquei muito abalado sim com relação ao primeiro Campão Cultural em 2021. Me inscrevi num edital (que por sinal deixava muito a desejar principalmente na estética gráfica, talvez por ter sido feito às pressas), em um item chamado show/palestra sobre a ORIGEM E HISTÓRIA DA MÚSICA DE MS. Eu me considero muito apto pra falar sobre esse assunto. Muito mesmo ! Na inscrição, fiz tudo como mandava o figurino. Gravei até um vídeo (ridiculamente exigido) naquele confuso edital. No vídeo, falei desde a importância de Zacarias Mourão, de Delio e Delinha ... até chegar em Simões, Sater, Rondon, Roca... Pô cara... eu estava precisando daquela grana. Final de pandemia... perrengue, depressão batendo na porta... há anos não fazia nada pela Fundação de Cultura. Era justo. Mas, eu não fui aprovado. Com todo respeito aos que foram mas, a desenvoltura da temática que eu propus, assim como a minha capacidade e história, não poderiam ter sido ignoradas diante das propostas que foram aprovadas. Tinha até workshop de bateria, tambor, banda de Jazz... Não estou diminuindo ninguém. Mas, nenhum deles abordou o que o edital pediu, ou seja, a origem e a história da música de Mato Grosso do Sul, como eu propus abordar e como exigia o edital. Fiquei feliz pelos que foram aprovados pois respeito a todos, mas muito decepcionado com a organização do Campão Cultural que, a partir desse episódio, eu passei a chamar "carinhosamente" de 'Capão Cultural.' Sabe o capão que tem nas fazendas , onde o gado fica na sombra? Pois é. Esse mesmo, o batizei assim devido à aberrações que li na ficha técnica do evento. Quanto a eu não morar em Campo Grande e isso ser um fator que impeça de eu ser convidado ou aprovado em algum edital... cara, isso é tão ridículo, amador e esdrúxulo... que eu prefiro nem gastar minha energia. Fiz um show em Setembro lá no Laricas Cultural que foi uma lavação da alma. Me juntei a alguns desses músicos que são muito especiais (El trio + Negretti ) e também queridos amigos. Fizemos então música com todo o sentimento e a beleza que a música merece. Estava lotado. Na ocasião, um artista alemão que estava por Campo Grande, me abordou logo na saída do palco , se apresentou, e me disse que era um cara viciado em shows. Que ia em todos que lhe fossem possíveis, pois ama a música. E disse que aquela noite, aquela nossa apresentação, tinha sido uma das coisas mais incríveis que ele já tinha assistido, incluindo tudo o que ele já viu na Alemanha. E Alemanha, meu caro, que por sinal eu conheço muito bem e já toquei em quase todo o país, é a maior efervescência de música da Europa. Então, você acha que eu vou perder minha autoestima com essa gente que está aí há anos nos órgãos de cultura e que, mesmo com todo o recurso que existe , até as minhas redes sociais são mais acessadas e interagidas do que as páginas dos eventos que elas produzem ??? Não mesmo !!! Ah , e antes que eu me esqueça... se a Fundação de Cultura não me aprovou no "Capão" (risos) pela brutesca desculpa de que não moro em Campo Grande...deixo claro que aí também é minha casa, sim. Muito mais do que a de muita gente do clube dos preferidos deles. Agora, imagine se nós, artistas sul-mato-grossenses, exigíssemos que só pudesse trabalhar na FCMS quem fosse sul-mato-grossense e conhecesse a fundo a história da nossa arte ???? Presta atenção, né ?!
Blog do Alex Fraga - O que Antonio Porto tem para 2023?
Antonio Porto - O meu trabalho como compositor de trilhas sonoras assim como o de arranjador, exigiu que eu saísse da zona de conforto do meu conhecimento no piano pois eu uso muito ele. Durante a pandemia eu tinha muito tempo (risos), então tirava umas horas do dia pra me dedicar. Comprei um novo esse ano. Muito bom. Sem pretensões de virar um pianista, estou estudando um repertório com ele e aprimorando algumas coisas. Quem sabe sai daí um trabalho do qual eu o utilize também. O piano é um instrumento perfeito para criar as atmosferas que eu gosto para que a música tenha as mais variadas expressões. Essa proposta ,é a essência da minha música. Ela é livre. Consciente e livre. É o meu estilo. No show que fiz no Laricas, fiz uma experiência. Deu bom !!! Tem a possibilidade de continuar o trabalho com a Tetê Espíndola e Orquestra do Pantanal, do qual eu, além de tocar e auxiliar o maestro Martinelli na direção musical, fui também responsável por alguns dos arranjos. A intenção é levar esse trabalho Brasil afora. Espero que dê certo. Tem tudo pra dar pois, Tetê e Arnaldo Black estão empenhados nisso. Além de que é um trabalho emocionante e lindo ! Vou também finalizar algumas músicas que produzi em casa, de forma solitária na pandemia, e deixar elas por aí para quem quiser escutar. No mais, estou produzindo o trabalho do compositor baiano Flávio Assis. É claro, aguardando outras propostas (risos). Tô facinho, gente ! rsrs.
muito proveitoso o colóquio cultural
valeu!