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Entrevista - André Luiz Alvez: "Povo esclarecido é perigoso para nossos governantes!"

André Luiz Alvez é escritor, cronista, ator e publicitário. Lançou vários livros, entre eles", um que se destacou, que conta a história de Célia de Souza, a mulher que cuidada crianças em um bairro em Campo Grande (MS) e se tornou "A Bruxa da Sapolândia". Em entrevista ao Blog do Alex Fraga ele fala sobre os desafios de ser escritor, o início de suas andanças na literatura e também seus novos projetos. Atualmente tem uma coluna no site campograndenws chamado "Beba das Crônicas".

Blog do Alex Fraga - A literatura como o artesanato sempre foram os "patinhos feios" dos órgãos culturais. Há pouco apoio e incentivo no Mato Grosso do Sul. Como você vê essa situação? Por que não há um acesso maior dos livros dos escritores do MS nas escolas e universidades?

André Luiz Alvez - A literatura é a arte da palavra, é uma manifestação artística singular e feita para um público distinto: quem gosta de ler. Infelizmente o Brasil não é um país composto de uma maioria que lê, muito pelo contrário. Não ter muito leitores, faz com que a administração pública invista pouco no setor, o que é lamentável, porém, uma triste realidade. A administração pensa em retorno do investimento, ou seja: votos. A literatura faz o leitor pensar e cidadão que pensa não é o objetivo de nenhum governo. Por sua vez, geralmente, quem escreve, quem lê, é um crítico contumaz do sistema e isso também pesa no momento de investimento por parte do Governo, seja estadual ou municipal. Povo esclarecido é perigoso para nossos governantes. Só pode ser isso. O escritor não sente dificuldades para criar, escrever é muitas vezes um prazer, uma forma de viver, como é o meu caso. O grande desafio é tornar o sua arte reconhecida, divulgada, consumida. Viver da própria arte, no entanto, é um sonho. É inconcebível que os livros dos autores regionais não sejam divulgados amplamente nas escolas e universidades e o por quê disso, não sei responder, visto a quantidade enorme de autores excelentes que temos aqui no Estado. Sempre que me fazem essa pergunta, digo que a resposta está nos gestores da administração.Devo aqui abrir um parêntese: como diretor cultural da UBE-MS – União brasileira de escritores de MS – tivemos o apoio decisivo da Sectur, Secretaria municipal de cultura e turismo, na realização da 34ª. Noite da poesia, evento essencial para estabelermos troca de conhecimento e aprendizado com escritores dos outros Estados da nação, além de promover a literatura à população. Foi um sucesso de público e crítica. De resto, é ir onde o povo está, como diz a canção. Recentemente resolvi caminhar pelo campo do Audiovisual, lancei de forma independente e forma de videoartte o conto “O sorriso da orquídea”, incluso no meu livro publicado mais recente “O olho esquerdo”, que fala sobre o delicado assunto da depressão. Fiquei muito contente com o resultado e estou decidido a investir pessoalmente em outras atividades do gênero. Últimamente tenho recebido diversos convites para palestras nas escolas públicas, uma iniciativa dos professores dos cursos de letras e literatura. Ainda assim, vejo como um movimento pequeno, apesar de elogiável, mas que poderia ser ampliado, especialmente entre as universidades.


Blog do Alex Fraga - Quando decidiu publicar seu primeiro livro? Quais fatores contribuíram ou dificultaram sua estreia literária?

André Luiz Alvez - Comecei escrevendo crônicas e um grupo de amigos, torcedores como eu do Botafogo. Escrevia sobre o cotidiano, inventando personagens, entre eles o “Ácido” alcunha que até hoje eles me denominaam, personagem ranzinza que sempre criticava o time do Botafogo. Gostaram bastante e dali veio o incentivo. Então enviei minhas crônicas para o Correio do Estado, de forma até despretensiosa, e a editora à época Cristina Medeiros me deu a chance de publicar regularmente. Nunca dissse publicamente, faço agora o agradecimento à Cristina pela chance. Então veio o primeiro livro, o romance “No pantanal não existe pinguim”, lançado por uma editora de internet, do tipo que você mesmo faz o livro, desde a capa, edição e tudo o mais. Naquele tempo eu atuava bastante no teatro e no final das apresentações sorteava esse livro entre o público presente. O retorno foi maravilhoso, me incentivou a escrever mais e depois do Pinguim já preparo o lançamento do sétimo livro, talvez ainda esse ano.


André Luiz Alvez - “A Bruxa da Sapolândia" lançado pela Chiado Editora é um dos seus livros mais conhecidos. Como foi o processo de criação? O que te levou escrever sobre esse fato tão interessante par a cultura no MS?

André Luiz Alvez - Sou um campo-grandense de origem bastante humilde. Nasci no bairro Amambaí, cinco quadras acima do Portão de Ferro. Por problemas familiares, minha mãe juntou os seis irmãos e minha avó e fomos morar mais distante. Dos três até os sete anos, moramos bem perto do local conhecido como Sapolândia, na região do bairro Taquarussu. Desde então, a história da bruxa vive no meu pensamento. O coaxar intenso dos sapos no cair da noite até a madrugada escuto até hoje em momentos de reflexão. Quando escrevia crônicas para o Correio do Estado, deixava o meu endereço de e-mail para os comentários, o acido13@gmail.com. Para cada crônica, recebia em média vinte comentários. Então escrevi uma crônica chamada “A bruxa da Sapolândia” e o retorno foi impressionante, mais de cem comentários. Resolvi então que precisava escrever a história, cujo objetivo principal era fazer ficcção tendo como base os fatos reais e, assim, manter a lenda viva. Conversando com diversas pessoas, que de alguma forma conheceram a Célia, fui formando a base da história do livro. Também tive acesso ao processo no qual ela foi presa. Nesse processo, gentilmente cedido pelo Tribunal de Justiça-MS, pude tomar conhecimento dos detalhes da vida daquela que se tornaria lenda da cidade, desde o seu nascimento até a prisão, o final que ninguém sabe, a casa que até hoje existe da mesma forma que nos anos sessenta, erguida em madeira do portão que range, exatamente como antes. Como gosto de trabalhar com o realismo fantástico, criei personagens encantados e alguns absolutamente reais. O livro está momentaneamente fora das editoras, embora tenha vendido bastante. Não gostei de trabalhar com a Chiado e estou conversando com uma editora do Rio Grande so Sul para nova edição.


Blog do Alex Fraga - No processo de criação, o que considera mais difícil: determinar os rumos da história, escrever o texto de forma clara ou apresentar os personagens com concisão e profundidade?

André Luiz Alvez - Pode parecer estranho, sou um escritor que detesta o silêncio, prefiro escrever escutado músicas. Meu processo de criação está em cada detalhe da vida. Tudo o que respira ou não, o que se mexe, o que está invisível são motivos de contar uma história. Mas o que mais me chama a atenção são as pessoas. Diversas vezes me pego em lugar de muita gente, um mercado, um hospital, o saguão do aeroporto, no trânsito. Vejo ali os meus personagens, os desenho na mente e depois jogo no papel. Escrevo crônicas, contos e romances, para cada estilo tenho um modo de escrita. Assim, minhas crônicas falam do tempo, do cronus, futuro, presente e principalmente o passado, as lembranças que tenho, de coisas que vivi ou ouvi, pessoas e lugares que marcaram a minha existência. Crônicas escrevo num rompante, ouvindo rock and roul ou MPB. Quando escrevo contos, estou contando uma história breve, com final surpreendente, daquelas que bem podem começar com o velho chavão: “era uma vez”, embora, obviamente, eu nunca comece assim, prefiro colocar alguém caminhando a um lugar que só vou revelar adiante. Meus contos fogem um pouco à regra, porque não são tão curtos como a regra pede, geralmente passam das vinte páginas, é um estilo que aprendi lendo meus autores preferidos e à partir deles compus o meu estilo de escrever. Gosto dos escritores latinos, Gabriel Garcia Marquez, Cortázar, Adolfo Bioy Casasares, Carlos Fuentes entre outros. Escrevo contos ouvindo músicas latinas ou trilha sonora de cinema. No romance, que é um trabalho muito mais difícil e delicado, além de mais demorado, a base da história está na minha cabeça, geralmente já tenho pronto o final. Esse final nem sempre é exato, muitas vezes modifico alguma coisa, sem, no entanto, alterar a essência. Monto então um texto rápido, contendo a raiz do que quero escrever, ato que chamo de esqueleto do romance. Então vou moldando, vou e volto no texto, acrescento personagens, amarro uma situação que só irei desatar nos momentos finais. É imprescindível começar a escrever um romance plantando uma pergunta, uma dúvida no leitor. Assim, com uma pergunta ou um mistério a responder, o leitor se interessará pela história e continuará lendo. Esse mistério, dúvida ou pergunta, até mesmo as três coisas ao mesmo tempo, precisa aparecer na primeira página, de preferência no primeiro parágrafo. Essas coisas aprendemos com os granedes mestres: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendiá havia de recordar aquela tarde remota em que o seu pai o levou para conhecer o gelo”. É assim que começa o meu romance favorito, “Cem anos de solidão” de Gabriel Garcia Marquez. Querer conhecer aquele gelo foi fundamental para que eu me tornasse escritor. Quando estou escrevendo romances, ouço música clássica, especialmente Beethoven, Bach, Mozart entre outros. Resumindo, como disse Cortázar: “escrever é como uma luta de boxe, no romance se ganha por pontos, no conto se ganha por nocaute.”

Blog do Alex Fraga - Como você vê o mercado editorial para os novos autores? Quais são os principais desafios para quem quer publicar?

André Luiz Alvez - Com a internet, ser publicado ficou mais fácil. Porém, quem está começando tem que se submeter às editoras que na verdade são prestadoras de serviços. Ou seja, precisa pagar pela publicação. É assim que funciona com todos os iniciantes. Eu hoje, depois de muito tempo publicando, meus livros saem pela editora Patuá de São Paulo. Além de publicar os livros, a Patuá, do editor Eduardo Lacerda, trabalha com divulgação e inscreve o livro em diversos concursos literários. Leva tempo para ser publicado por uma real editora. O conselho que dou para quem está começando é procurar a editora prestadora de serviços mais conhecida na internet e fazer de forma compra antecipada, ou seja, faz uma publicidade antes, com valores recolhidos para pagar antecipadamente a editora escolhida.

Blog do Alex Fraga - Quais são seus projetos futuros?

André Luiz Alvez - Tenho um livro de crônicas pronto para lançamento. Chama-se “Todo bicho alado tem medo do vento”, com o qual fui um dos vencedores do prêmio Ipê de literatura promovido pela Sectur. Além disso, estou divulgando e apresentando o vídeo audioarte do meu conto “O sorriso da orquídea”. Recentemente, fui co-autor do roteiro e produtor para o áudio visual do curta "Che tiempo guare" adaptação do livro homônimo de autoria de Nery da Costa Junior. Além disso, juntamente com os colegas Ligia Prieto e Vini Willyan, começamos a adaptar e escrever o roteiro para cinema da Bruxa da Sapolândia. Está ficando lindo. Após pronto, vamos atrás de financiamentos para rodar o roteiro, o qual pretendemos fazer na forma de série.

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