Residindo em Florianópolis - Santa Catarina, o arquiteto e urbanista, professor aposentado, poeta, escritor, cantor e músico Ângelo Marcos Vieira de Arruda, que residiu por muito tempo em Campo Grande (MS), é o entrevistado do Blog do Alex Fraga dessa semana, que retorna após parada pelas festividades de carnaval e início das aulas. Ângelo Arruda fala com clareza sobre a questão cultural em Mato Grosso do Sul e também no Estado em que atualmente mora. Seu trabalho como poeta e músico, além é claro sobre novos planos na área cultural.
Blog do Alex Fraga - Conte um pouco da sua trajetória na cultura desde o início quando morava em Campo Grande, apesar de estar sempre ligado a Arquitetura.
Ângelo Arruda - Eu cheguei em Campo Grande em 1980, formado em arquitetura e urbanismo, vindo de Recife – PE. Eu já participava da cena musical de lá, inclusive por conta dela, conheci e toquei com Lenine que na época era do grupo Flor de Cactus. Em 1978 Lenine foi para o Rio e em 1980 eu me mandei para Campão. Assim que cheguei com o meu violão no braço, fui buscar conhecer locais da noite e achei um, sensacional: o Café Soçaite, do Reinaldo Rosa, que ficava na Rua 13 de maio após a esquina da Rua XV; lá era o máximo. Os músicos iam e tocavam. Os instrumentos estavam todos lá. Desse local conheci, vi, assisti quase todo mundo: Paulinho, Almir, Geraldo, era muita gente. Depois passei a frequentar o Bar da Tia aos domingos de tarde e nesse local era muito simples. A tia e suas filhas servindo cerveja e uns tira gosto e a galera ia para lá e nesse local eu conheci Zé Pretinho, Sidney Rezende, Cláudio Prates, eita era muita gente. Um dia já em 1981 João Fígar disse que todo mundo era convidado para o 1 de maio na Praça Ari Coelho tocar e resolvemos ensaiar na casa do Bosco Batera. No dia mesmo de verdade, Campo Grande amanheceu tão gelado (era dia do Trabalho) que o evento foi cancelado. Mas conquistei amizades para além daquele dia. Fui trabalhar com arquitetura mas sempre acompanhava tudo sobre música em Campo Grande desde 1980. Nos 37 anos que morei na capital de MS meu lugar fora da arquitetura, era a música. Amigos, jornalistas, shows, tietagem, era bom demais. Nesses 37 anos acompanhei tudo que rolou na cidade, os novos, os antigos e os novíssimos. Nunca perdia shows. Dos pratas da casa e dos de fora. Aliás por falar em Prata da Casa, quem não foi perdeu, evento lá no Glauce Rocha que tem a mão de Glorinha e Cândido Alberto, Ciro de Oliveira, TV Morena e muita, mas muita gente e muitos músicos. Até um LP saiu. De todo esse tempo de vida na cultura musical e conhecendo muitos e comprando CDs e acompanhando as produções, posso afirmar: MS está em posição especial no Brasil pois temos de tudo. Do clássico ao rural, passando pelo samba, rock, choro, MPB, polca-rock, homens e mulheres, grandes músicos e cantores. Sempre brinco com meus amigos: MS está em 7º. Lugar. Ai a galera pergunta? Quem são os seis primeiros? Pense e faça a sua lista.
Blog do Alex Fraga - Você considera que existe uma definição mais apropriada para o termo Cultura? Qual seria? E por quê?
Ângelo Arruda - Alex eu aprendi a definir cultura com 3 pessoas: Maria Adélia, Prof. Glorinha e Gilberto Gil. A primeira sempre dizia que cultura é produto e é processo (depois eu explico); a segunda falava nas camadas que a cultura gera na sociedade e isso vai se modificando e com o mestre Gil, quando Ministro, ele disse: cultura é tudo que não é natureza. Veja só. Com base nesses 3 conceitos dialéticos, eu posso dizer que os 3 estão corretos e os considero para minha definição que para ser produto (uma música) ele tem de ser e ter processo (referências, criação, produção enfim). A música do século XVII com os instrumentos da época e as 7 notas mesmas de hoje, foi criando camadas que depois de 4 séculos a gente enxerga e escuta uma nota daquele tempo numa peça dos tempos atuais e sendo assim eu posso dizer que tudo na natureza está posto. Na cultura, acontecer por meios – dos homens, da técnica, da evolução etc. Portanto os 3 me dão prazer em significar.
Blog do Alex Fraga - Qual a sua opinião sobre a imagem que a mídia passa da cultura sul-mato-grossense? Morando agora em Santa Catarina você acha que pouca gente sabe o que faz por aqui ?
Ângelo Arruda - Alex eu sai de Campo Grande mas Campo Grande nunca saiu de mim. E posso te afirmar: em Santa Catarina, estado mais rico, com quase 300 cidades e uns 9 milhões de habitantes, nem se iguala a MS. Mato Grosso do Sul é um celeiro musical dos melhores, como escrevi na pergunta anterior. Aqui não há mais quem escreva nos jornais sobre música ou em blogs como tu fazes; a galera aqui reclama muito do apoio da imprensa de todos os modos. Não me parece ser o que acontece em MS. Ainda tem ai um grupo que cuida desse tema com mais vigor que aqui. Eu acompanho tudo que acontece por ai lendo os sites de Campo Grande, seu blog, me comunico com amigos que mantenho no celular e vibro muito quando acontecem coisas como o grupo de RAP dos índios indo para o Rock in Rio. Bárbaro. Ou ainda vendo por aqui os músicos daí. Esse ano fui ver Almir Sater e banda em Jaraguá do Sul, foi sensacional encontrar o Guilherme e o Marcelo. Mas acho que essa troca – galera daqui ir tocar ai e vice versa – poderia rolar pois SC e MS tem além do S em comum, tem uma bela história de Aleixo Garcia que no século XVI sai da Ilha de Santa Catarina (nome antigo de Floripa), com 2.500 índios guaranis e atravessou o sul de MS e foi ao Peru e encontrou ouro. Ele é considerado o primeiro homem branco a pisar do solo de MS e de SC. Portanto temos um tema para unir os dois Estados.
Blog do Alex Fraga - Você nos últimos anos, antes mesmo de sair de Campo Grande, lançou seu primeiro livro de poemas e também iniciou mais para a música. Como foi esse processo?
Ângelo Arruda - Poesia escrevo desde os 18 anos. Música, apesar de tocar violão desde 1977, nunca me atrevi a compor nada. Um dia eu recebi uma encomenda do Mestre Galvão (falecido em 2022) após lançar meu primeiro livro de poesias A INVENÇÃO DO SILÊNCIO para colocar letra numa melodia dele. Nasceu ai minha primeira parceria e com ele, fizemos mais de 15 canções, várias estão em seus CDs e nos meus. Da letra para a música foi um passo. Assim um dia, tocando meu violão nasceu a melodia de ÁGUA DE VIVER e depois coloquei a letra e mandei para o Gilson Espindola tocar e gravar. Nasceu a primeira completa. Gilson gostou tanto que mexeu na letra e na métrica e oficialmente a música é nossa e ele canta no primeiro CD. Esse primeiro CD nasce, portanto, quase junto com o primeiro livro de poesias. Bem Alex, daí pra frente, comecei a compor, loucamente. Inspirado na música de MS e nas minhas referências (João Bosco, Djavan, Ivan Lins, Milton e tantos mestres) eu fiz muita coisa e um dia me dei conta que tinha um CD pronto. Como eu não cantava nada, convidei muitos amigos de MS para cantar. Nasce o CD Água de Viver, patrocinado, com as vozes de Guilherme Rondon, Gilson e Celito Espíndola, Joice Moreno, Guga Borba, Chicão Castro, Toninho Porto, Chico Martins e Moriel Costa daqui da banda Dazaranha, Maria Alice Maria Cláudia e Marcos Mendes e Jerry Espíndola. Ou seja, caprichei no grupo. Produção, arranjos etc dos mestres Otávio Neto e Gilson. O segundo CD foi pelo mesmo caminho mas nesse eu cantei mais músicas. Ele se chama RÉGUA E COMPASSO uma brincadeira entre a música e a arquitetura. Ai veio Geraldo Espíndola, Karla Coronel, Zeh Rocha, Gilson Espíndola e Otávio Neto e Chicão Castro cantando. Ah e eu me arrisco em duas músicas instrumentais deliciosas. Depois veio o segundo livro no mesmo ano de pandemia: A SIMPLICIDADE DO ABISMO produzido aqui em Santa Catarina.
Blog do Alex Fraga - Fale mais dos seus últimos trabalhos culturais, tanto na literatura como a música. E o que vem mais por aí em 2023 ?
Ângelo Arruda - Ano passado veio o terceiro trabalho musical, mais maduro, canto 10 músicas, duas instrumentais e tem a Negabi e Moriel Costa que cantam duas. Tem clip, tem músicos de Santa Catarina bons pra caramba como Alegre Correa, Roger Correa, Iva Giracca com a produção do Márcio Pimenta. Aliás por falar em Márcio ele tem um grande amigo em Campo Grande que é o Otávio Neto que morou aqui com Adriel anos atrás e o Márcio é um grande guitarrista e fez todos os arranjos do meu último trabalho.
Para 2023 eu tenho ainda o terceiro livro de poesias para finalizar. É um livro- áudio com poemas declamados e uma versão em PDF para você baixar e acompanhar cada um dos poemas. Tá tudo pronto para começar. Ainda sonho em produzir com alguém de MS esse evento MS-SC – o que nos une??, unindo música e cultura dos dois Estados, recuperando a história que de verdade une os dois estados do país.
Blog do Alex Fraga - Os artistas discutem muito sobre os editais burocráticos lançados pelo governo e prefeitura. Acredita que devam mudar algo ou não é tão burocrático assim e os artistas ainda em sua maioria não se profissionalizaram?
Ângelo Arruda - Alex. Eu e mais uns 100 companheiros e companheiras fundamos o Fórum Estadual de Cultura em 2004. Fizemos tudo que era possível e esse FESC existe até os dias de hoje. Conseguimos fazer um grande evento. Um Seminário Estadual com muita gente lá no Colégio Lucia Martins Coelho, editamos o famoso “livro vermelho”; tiramos diretrizes, aprovamos a primeira lei estadual de cultura, por meio de um PL que o Dep. Pedro Kemp assinou. Declaramos a cultura como essencial, tinha Secretaria, Fundação. Politicas e diretrizes. Mas tudo isso somente vai para a frente se todos remarem na mesma direção e o que eu assisti foi alguns remando em direção contrária e isso sempre trás problemas. No município fui presidente do Conselho Municipal de Cultura, aprovamos o 1% do orçamento, um dia histórico, mas tudo isso virou pó. O que aconteceu? A classe é desunida? Poucos se profissionalizaram? Tem muita burocracia? Acho que é um pouco de tudo e tem um detalhe: o artista, aquele que produz e vive do seu trabalho, não se incomoda com o que está ao seu redor pois o que ele precisa é criar; ao participar de um Fórum e se posicionar, ele já tem lado. E quando um assume o poder, o lado do poder chama os amigos e assim vai se fechando aquilo que estava aberto, de todos. Ainda tem a burocracia sindical que essa a gente levaria mais tempo para falar. Prefiro dizer que quem está na chuva é para se molhar. Se você odeia a burocracia, arrume quem faça; se você odeia a política, saiba que sem ela a gente não anda. Mas se você não se profissionaliza, aí você tá fora da roda e não adianta reclamar pra ninguém. Vá lá e aprenda e depois faça melhor que todo mundo. Sem fulanizar, eu posso comentar o Gabriel Sater. Aprendeu violão com Paulo Gê e também com Cristiano Kotlinsky e hoje toca viola e fez um dueto com o pai, Almir, na novela Pantanal, que todo o Brasil agora o conhece como um baita violeiro. O que ele fez? Vamos perguntar prá ele mas acredito (eu era vizinho do Gabriel e ia na Pizzaria Romana ver Cristiano tocar lá nas sextas feiras) e esse guri estudava 10 horas por dia.
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