Crônica - Na rua dos corneteiros, tudo pode acontecer, por Carlos Magno Amarilha
- Alex Fraga

- há 17 horas
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Sexta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de crônica com o poeta e escritor de Dourados (MS), Carlos Magno Amarilha, com "Na rua dos corneteiros, tudo pode acontecer"
NA RUA DOS CORNETEIROS. TUDO PODE ACONTECER.
Estava no ponto de ônibus, esperando o circular que nunca chegava. O sol fritava meus miolos, e a impaciência já tinha virado uma constante na minha vida. De repente, um carro para do meu lado. Um senhor de óculos escuros e chapéu de palha baixa o vidro e me pergunta: "Moço, sabe onde fica a Rua dos Corneteiros?". Eu, que nunca tinha ouvido falar dessa rua, respondi que não fazia ideia. Ele me olhou com uma cara de "você não é daqui, né?" e começou a me dar umas coordenadas estranhas: "Siga reto, vire à esquerda na rua do cachorro tricolor preto, branco e amarelo, depois entre na primeira viela à direita e pergunte pelo Seu João do Fusca Cor de Rosa". Achei que era pegadinha, mas o cara parecia sério. Como eu estava sem nada pra fazer, resolvi seguir as instruções. Cheguei na tal rua do cachorro tricolor, que, por incrível que pareça, existia mesmo. O cachorro, inclusive, estava lá, dormindo na sombra de uma árvore. Entrei na viela, ou seja, uma ruazinha bem estreita, que mais parecia um labirinto, e encontrei o Fusca Cor de Rosa estacionado. Um senhor de bigode branco e de camisa tricolor, ou seja preto, branco e amarelo, ele estava sentado em um banquinho, tomando tereré com hortelã. Perguntei sobre a Rua dos Corneteiros, e ele me olhou com um sorriso maroto: "Ah, meu filho, essa rua não existe. O cara do carro te mandou pra cá só pra te zoar". Eu fiquei com uma cara de paisagem, sem entender nada. O Seu João começou a rir e me convidou pra tomar tereré. A gente ficou ali, conversando sobre a vida, até que o circular finalmente apareceu. E foi aí que o caos se instalou. Do nada, duas onças pintadas, enormes, surgiram na rua, rosnando como se tivessem engolido um trovão. O som era tão alto que senti meus tímpanos latejarem, e vi várias pessoas desabarem no chão, desmaiadas. O pânico me invadiu, mas o instinto de sobrevivência falou mais alto. Lembrei dos ensinamentos do meu avô, um pantaneiro raiz, que me ensinou a lidar com as feras da mata. 'Silêncio e fumo de corda, meu neto', ele dizia, 'são a chave pra acalmar a fera'. Arranquei minha camiseta e fiz uns tampões improvisados pros ouvidos, pra não ficar surdo. E, por pura sorte, meu sogro tinha me dado de presente um fumo mato-grossense daqueles de respeito, e eu tinha comprado umas velas na mercearia do Seu Zé. Corri pro Fusca Cor de Rosa, onde o Seu João tava escondido, tremendo mais que vara verde. 'Fica aqui, Seu João, e tranca tudo!', gritei, pegando as velas e o fumo. Fiz uma tocha improvisada, acendi, e fui pra rua, rezando pra que o cheiro forte afastasse as onças. Mas as bixas não tavam pra brincadeira. Vieram pra cima de mim, numa velocidade que me fez engolir o coração. As garras afiadas brilhavam na luz da tocha, e o cheiro de bicho selvagem me embrulhou o estômago. Mas não podia fraquejar. As pessoas desmaiadas dependiam de mim. Num ato de coragem, ou talvez loucura, joguei a tocha na direção das onças, e o fogo se espalhou pelo fumo, criando uma nuvem de fumaça densa e fedorenta. As onças recuaram, tossindo e rosnando, e eu aproveitei pra correr e jogar a tocha numa bacia de metal que tava ali perto. A fumaça tomou conta da rua, e as onças, irritadas e confusas, fugiram pro matagal. Foi um alívio! As pessoas começaram a acordar, tossindo e assustadas, sem entender o que tinha acontecido. Eu, com a roupa chamuscada e o coração na boca, expliquei a situação, e as pessoas me agradeceram, me elogiaram bastante e me desejaram muita saúde e paz. Agradeçi a todos e fiz minhas orações em silêncio. No fim das contas, as onças voltaram pro seu habitat natural, e eu, depois de tomar umas garrafas de água com tereré e respirar fundo, peguei o próximo ônibus, com a sensação de ter vivido um filme de ação. Quem diria que um simples atraso no ponto de ônibus me levaria a enfrentar duas onças pintadas?!"
Carlos Magno Mieres Amarilha In: Crônica do Dia. 'Na rua dos Corneteiros, tudo pode acontecer". Prelo, 2025





Cabeceira! Vale a pena ler textos assim. Muito obrigado! Salvou meu dia! Aleluia!
Daniel Pereira
Lisboa - Portugal.
A CRÔNICA VIRA "FILME DE AÇÃO" NA RUA DOS CORNETEIROS
Quem nunca teve um dia de cão esperando um busão? O sol na cabeça, a paciência no limite... Pois é, a rotina costuma ser um saco. Mas, para um azarado-sortudo anônimo, o tédio virou uma aventura digna de cinema na “Rua dos Corneteiros” – uma rua que, ironicamente, nem existe!
Tudo começou com uma pegadinha bem elaborada. Um motorista misterioso manda o nosso herói buscar a tal rua, dando coordenadas absurdas: "vire na rua do cachorro tricolor", procure o "Seu João do Fusca Cor de Rosa". A gente ri, o protagonista desconfia, mas vai, porque, afinal, o que é um dia sem uma boa doideira?
Ao chegar na viela do Fusca…
Esta é uma crônica vibrante que mistura o humor do absurdo (a rua que não existe) com o suspense de sobrevivência (as onças). O autor usa a linguagem coloquial e detalhada (como o cachorro tricolor e o Fusca Cor de Rosa) para enraizar a história, tornando o clímax ainda mais chocante. É um excelente exemplo de como o atraso e o desvio podem ser os verdadeiros motores de uma grande história.
Renato da Silva
São Paulo
Que crônica espetacular e cheia de reviravoltas!
Marco Antônio
Itaporã-ms