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Crônica - Ursa Maior, por Raquel Naveira

Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de crônica com a poeta e escritora de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com Ursa Maior.


URSA MAIOR

Raquel Naveira


Tenho fascínio pelas noites pretas e estreladas. Lá longe brilha a Ursa Maior, constelação do hemisfério celestial norte, a gigante amarela. Seu pontilhado lembra uma ursa sim. Vejo o focinho marcado por uma estrela, a orelha formada por um punhado de pingos luminosos, os quadris desenhados com estilhaços brancos de fagulhas.

A Ursa Maior emana força, poder. Mãe dedicada a cuidar dos filhotes, a protegê-los com ferocidade. Ela me atrai, me prende e, de repente, me larga sozinha na Terra, em meio à nevasca, à mercê dos inimigos, de duros golpes, perdas e traições. Escondo-me numa caverna da montanha. Hiberno. Em breve virá a primavera. Sairei em busca de um favo de mel, do meu amor oculto nos astros de sua cauda.

Conto as sete estrelas com nomes das letras do alfabeto grego que formam a Ursa Maior: Alfa, Beta, Gamma, Delta, Epsilon, Zeta e Eta. Sete estrelas nas mãos de um regente divino. Sete estrelas sobre o cimo da minha cabeça. Sete estrelas imortais, polares e flamejantes. Foram elas que definiram a posição dos navegadores, dos nômades, dos caravaneiros no deserto e de todos os errantes peregrinos como eu.

Há uma teoria de que a Ursa Maior determinou o cruzamento do Estreito de Bering, que liga os oceanos Pacífico e Ártico, pelos primeiros humanos que chegaram ao continente americano. Os povos americanos não eram autóctones, não se originaram na América. Teriam como ancestrais os povos asiáticos, há milhares e milhares de anos. Imagino o fim da era glacial, os oceanos baixando de nível, as águas esgotadas em placas rasas, a ponte se formando entre os continentes, os paleoíndios acompanhando as manadas de mamutes, olhando para o alto, para os luminares, para os faróis projetados na escuridão tenebrosa do tempo. As estrelas fulgindo em seus corações, durante toda essa marcha épica.

Enquanto a Ursa Maior pulsa no firmamento, penso que viver entre ursos selvagens é menos perigoso do que viver entre homens. Todos gememos e rugimos esperando a justiça, que está distante de nós, nesta floresta tão assustadora quanto um urso com costelas na boca. Os malfeitores e criminosos um dia enfrentarão julgamento? Uma ursa sairá atrás deles depois das zombarias e escárnios proferidos contra os que apontam a verdade? Uma fúria extraordinária virá como uma ursa defendendo as crias? E eu, serei guerreira, guardarei a minha fé? Ou dançarei equilibrando a bola do mundo em meu focinho, até a exaustão, nesse circo, nessa arena de martírios?

A Ursa Maior me guia nesta viagem, enquanto minha angústia aumenta.

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