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Crônica - Sua imagem, por Ítalo Rafael Lima Dourado

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • 29 de out. de 2022
  • 3 min de leitura

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia do texto do poeta e escritor de Sobral (CE), Ítalo Rafael Lima Dourado, com "Sua imagem".


Sua imagem

***Ítalo Rafael Lima Dourado


Tenho que ir pintar o túmulo da Mamãe. Talvez o azul, o amarelo. Ainda estou em dúvida sobre as cores convenientes. Não quero fazer mais nada feio. Sinto que o amarelo acentua mais ao que eu esteja sentindo quanto a tudo, mais do que a cor azul. Combinaria com a coroa de rosas brancas que deixei no ano anterior, à tardinha. Desta vez, vou em outubro, novembro. Estou indeciso quanto a isto também. Eu sei o caminho para o cemitério, cuja arma definitiva: o silêncio que paira sobre ele. Mata aos poucos, também te mata a vida inteira. Eu reconheço o dela, entre os outros túmulos. Ainda não está identificado. Como eu sou um péssimo filho… Na minha hora final, lembre-se deste pecado.

Hoje, depois desses anos, eu consigo meditar e falar sobre ela sem chorar. Da sua morte, a lição de melhorar com o tempo me foi tomada. Eu não sou mais aquele furacão de revolta.

Usarei o resto de tinta que pintei no meu quarto, na minha sala. Isso a agradaria…

Faz tempo que não sonho mais com ela. Deus só (nos) permitiu a ela uma única visita à casa noturna dos meus sonhos. Ambos sabem das coisas ruins que fiz e faço, penso e sou. Deve ser por isso que não a revejo mais. Cada erro e pecado, uma idade.

Ele sabia a hora, quanto a mim, a vez passou. Nenhuma pista do seu paradeiro no instante que eu despertei aquela noite, daquela mês aleatório. Não me preparei como eu disse e acordei rápido demais… Não questiono tudo isso sem motivos uma vez que isto, assusta. No sonho não enxerguei os detalhes de onde estávamos, do que ela vestia, tampouco do que dissera-me, falhadamente. Em sonho, nem me aproximei, aconteceu tudo a certa distância que minhas mãos não puderam agarrá-la. Até sua voz me foi restrita como se em seus últimos meses de vida já não tivessem sido um alto preço a saldar. É uma voz que deixamos de ouvir com a progressão de sua doença (sem esquecê-la)

É uma voz que não preciso olhar para dentro de mim, ouvi-la.

Ela me viu nascer e eu a vi, arrastadamente, se acabar. Eu a vi dormir para sempre numa tarde de março enquanto ela me acordava numa dessas mesmas tardes, desse mesmo mês. Confesso, contudo, que o meu coração foi rebelde até o último suspiro de sua vida, afinal de contas, eu briguei com a minha irmã, com meu pai, eu estava sem falar com a minha tia e, mais uma vez, eu estava contra todos. Eu acusava a vida. Também já me odiei bastante pelos danos que causei. Apesar de tudo, minha mãe fechou os olhos em paz, sem mais alarmes. Ela estava rodeada pelos seus dois filhos, sua bondosa nora, que cuidou dela desde que a conheceu, e a

sua cunhada. Todos a seguravam. Todos choravam. Os seus batimentos começaram a parar e ela seguiu em frente e se juntou à imensidão. Uma vela foi posta em sua mão. Agora, meses depois, não consigo lembrança alguma desse sonho senão a cabal verdade de ter, com ela, sonhado somente uma vez. E, se eu não tivesse suas fotografias, juro que ainda assim sua imagem se apegaria ao meu futuro. Quanto aos meus dias: vejo-me vivo. (E) só. Este texto é uma lágrima presa há meses, custando, nos meus olhos, revelar-se puramente. Faço parte daqueles que, para chorar, têm apenas textos para escrever.

 
 
 

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Guest
Oct 16, 2024
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