Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de poesia com a poeta e escritora de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com "Sapos"
SAPOS
Raquel Naveira
O sapo é um animal crepuscular, símbolo da fealdade e da falta de jeito. Está ligado à água, à noite, à lua, à terra, à mulher. Pode significar o ciclo da vida: o começo (como o girino, o embrião) e a morte.
O poeta Manuel Bandeira (1886-1968) escreveu o famoso poema modernista “Os Sapos”, um poema irônico, que causou polêmica, criticando os poetas parnasianos, frios, objetivos, impassíveis, presos à perfeição da forma, à “arte pela arte”. Poetas parnasianos como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Vicente de Carvalho e Francisca Júlia eram muito amados e respeitados pelo público. O poema foi um choque. O entendimento hoje é que Bandeira estava se referindo não exatamente a eles, mas a uma tendência já ultrapassada e com muita produção de má qualidade literária. Bandeira descreve sapos que enfunam os papos, saindo aos pulos da penumbra. Chama o sapo-tanoeiro de “parnasiano aguado”, que come hiatos e faz rimas com consoantes de apoio. Diz que o sapo-boi urra em meio à saparia contra as artes poéticas. Que os sapos-pipas falam pelas tripas na sombra imensa de uma noite infinita e que o sapo-cururu soluça na beira do rio.
No nosso imaginário, o sapo aparece nas histórias de contos de fadas. Utilizado pelas bruxas para feitiços e magias. Ou como um príncipe disfarçado à espera do beijo da princesa. Essa história mostra a realidade dos difíceis relacionamentos amorosos, onde não há mais papéis definidos, nem romantismo, nem gentileza, nem atitudes generosas e humildes.
Escrevi o poema “Sapo”:
Ele era um sapo,
Desajeitado e feio,
Preso num recanto sombrio,
Úmido e frio
Da beira do rio.
Ela era a lua
E se mirava nas águas;
Ele tinha o olhar fixo
De quem devora uma bola branca
E, lúgubre,
Incha o papo;
Ela sentia medo
E pensava:
_ Não escapo.
Ele cobriu a pele
Com veludo negro
E mergulhou no escuro;
Ela fugiu,
Ele anunciou chuva,
Ela teve asco
Quando tocou sua cabeça de talismã,
Ele lambeu seus seios,
Cada curva,
Cada pedaço da manhã.
Trouxe-lhe então pomos dourados
De árvores mágicas
E penetrou
Como embrião em seu útero.
Naquele rio,
O sapo
Era príncipe
E princípio.
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