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Foto do escritorAlex Fraga

Crônica/Poesia - Camalotes e Guavirais, por Raquel Naveira

Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de crônica poética com a poeta e escritora de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com "Camalotes e Guavirais



CAMALOTES E GUAVIRAIS

Raquel Naveira


Camalotes e Guavirais é o título genial de um livro de crônicas de Ulysses Serra, publicado em 1971. Crônicas que caminham para os extremos do lirismo, do ensaio histórico, do conto pitoresco. Obra de alta expressão literária que se tornou o livro símbolo do sul de Mato Grosso.

Por que Camalotes e Guavirais? Explica o autor: “Camalotes dos verdes e infindáveis pantanais de Corumbá e guavirais destes dilatados chapadões” (Serra, 1971:9). Eis aí: uma homenagem a Corumbá e a Campo Grande, a partir da sua vegetação.

As crônicas de “Camalotes e Guavirais” são espontâneas e elegantes, “evocam pessoas e coisas, árvores, riachos, pedaços de rua, naves de igreja, sussurros dos córregos Prosa e do Segredo”.

Lembro-me como se fosse hoje daquela noite de autógrafos, no saguão do Hotel Campo Grande. Eu era uma adolescente de treze anos, mas já sentira que escrever era minha forma de ser e estar no mundo. Guardo a dedicatória encantada: “à Raquel Carvalho, garota de inteligência e charme, neta dileta de um velho amigo de minha mocidade, Carvalhinho, estes pedaços de guavirais dos nossos imensos chapadões e de camalotes dos nossos belíssimos pantanais”.

Sim, aquela noite foi um marco em minha vida e na de Campo Grande. Campo Grande não era mais uma cidade apenas voltada para o comércio prático, para as lojas de turcos, para o abate do gado, era uma cidade marcada para as coisas do espírito, para o mistério da palavra e da criação artística. Essa notícia corria de boca em boca, fervilhava pelos trilhos do trem, explodia pelas mentes dos intelectuais, dos poetas, dos amantes da literatura.

Transcrevo o poema “Camalotes”, que escrevi pensando nas flores lilases, que descem como canoas aquáticas pelo rio Paraguai:


Na cheia

Os camalotes boiam,

Estufados corpos aquáticos

Que a correnteza leva;

Conjunto de leques duros,

Verdes,

Que se dissolvem no silêncio;

Aqui e ali um buquê de flores

Arrebenta lilás;

A malha fina de raízes

Apanha peixes,

Escamas,

Pés delicados de pássaros que pousam,

A canoa de folhas

Navega sem leme

Rumo à foz,

À pedra,

Ao mar que espreme

E espuma.


E o poema “Guavirais”, essa frutinha nativa, da família da pitanga e da jabuticaba, tão presente em minhas recordações de infância:


Os guavirais estendiam-se pela orla da cidade,

Saltavam dourados,

Como que semeados pelo vento;

A frutinha verde,

De polpa amarela

Era uma espécie de uva indígena,

Misto de selva e sumo doce;

Havia trilhas para os que vinham colher guavira,

Alguns enchiam cestas,

Chapéus.

As mulheres aproveitavam os aventais

Ou as rodas das saias;

Ninguém parecia se importar

Com o sol de verão

Tinindo de mormaço,

Secando as cascas jogadas,

Cheirando a bagaço;

O pôr-do-sol descia

Como um manto de sangue suave

E, nesta hora,

Mágica e morna,

Os corpos quedavam para o amor silvestre,

Viscoso

Como o mel das abelhas.


Ir no campo catar guavira

Era o convite generoso e fecundo

Desta terra de cerrado.


Sim, Doutor Ulysses, sempre soube que seria uma escritora desta terra de camalotes e guavirais.


(No dia 27 de junho, na Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, Casa Ulysses Serra, participamos de uma Roda Acadêmica sobre a vida e a obra de nosso fundador, Ulysses Serra, ao lado dos escritores Reginaldo Araújo e Rubenio Marcelo. Trouxemos a importância de Camalotes e Guavirais para nossa identidade. Foi emocionante.)

58 visualizações3 comentários

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3 Comments

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Guest
Jul 10

Texto maravilhoso da talentosíssima escritora Raquel Naveira.

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Guest
Jul 05

Ler as crônicas da Raquel é se presentear com uma prosa poética plena de história. É fruir poesia e informação. É aprender com prazer.

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naf.celular
Jul 04
Rated 5 out of 5 stars.

👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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