Crônica - Pé de Atleta, por João Francisco Santos da Silva

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de crônica com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com "Pé de Atleta".

Pé de atleta

Estava difícil permanecer parado no ponto do ônibus às 4:30 da manhã sem tremer de frio. A garoa fria e incomoda lhe fazia cruzar os braços cada vez mais apertados, na tentativa de se aquecer um pouco. Mantinha o olhar fixo no chão que só se desviava diante da escuta de certos sons. Fenômeno interessante o do crescimento. Parado, esperando o ônibus, ele constatou os efeitos do sol, da chuva e da passagem do tempo. Diante dos olhos, a partir de seus pés, observou dois proeminentes botões prestes a eclodir ali mesmo na rua. Os pés grandes e em crescimento precisavam de mais espaço.

Os continentes sobreviveram além do esperado, porém menos que o necessário. Em parte, culpa da chuva e do sol. Em parte, culpa do trabalho excessivo. Quando pensaram que seriam aposentados, tiveram que prosseguir na jornada. Herança familiar justa. Mais que justa, apertada. Como nas monarquias, a valiosa coroa vai só para o primogênito. Comparação malfeita, pois a coroa aqui não vale tanto, mas a prioridade em recebe-la sim. Ser o segundo na linha de sucessão resulta em ter muitos percalços pelo caminho. E nem sempre a coroa se ajusta a cabeça do irmão em fase de crescimento.

Finalmente, foram espremidos de dentro para fora. E eis que brotaram os dois dedões pelos buracos da lona rota dos tênis. Desfecho há muito esperado, mesmo assim a emoção foi forte. E agora? Como iria seguir treinando? Distraído nesse impasse, ficou desatento aos barulhos. Primeiro, o do ônibus que tocou direto sem lhe dar tempo de acenar para pedir parada. O segundo, logo em seguia, do carro que passou a toda velocidade na possa d’água e lhe deu um banho de água suja.

Todo molhado e enlameado, foi obrigado a voltar para casa. Mas, o adolescente não voltou sozinho. Carregava consigo um sonho maior que seus pés e mais forte que o surrado par de tênis. Se o tênis ainda tivesse remendo, amanhã se desculparia com seu técnico e voltaria ao treinamento.