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Crônica - O centauro e a natureza do homem


Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de crônica da poeta e escritora de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com O centauro e a natureza do homem.


O CENTAURO E A NATUREZA DO HOMEM

Raquel Naveira


Não há melhor imagem para o conflito da natureza masculina do que o centauro: homem e cavalo, razão e instinto, delicadeza e brutalidade. Amor imoderado pelo vinho, pela carne e pelas mulheres. Virilidade contida. Sabedoria incompreendida. Natureza monstruosa e selvagem que não se pode reprimir.


Moacyr Scliar escreveu um romance com esse título lindo: Centauro no Jardim. O livro conta a história do centauro Guedali, nascido no interior do Rio Grande do Sul, filho de uma pacata família de imigrantes judeus russos. Guedali cresce solitário, excluído e o isolamento o leva ao hábito da leitura. Inteligente, sensível e culto, é ele quem conduz a narrativa de realismo fantástico eita a partir do dia de seu 38º aniversário, comemorado entre amigos. A figura do centauro ilustra a divisão étnica e religiosa dos judeus, um povo perseguido por sua singularidade. Ouso dizer que o centauro é um alter-ego de Moacyr Scliar, ele mesmo judeu, ávido leitor, que galopa por paisagens de mistério e magia.


Em meu poema “Amor Mitológico”, imaginei o amor entre uma ninfa e um centauro:


Sou uma ninfa menina,

Dessas que habitam o oco das árvores

E enfeitam os cabelos com boninas,

Sou simples e delicada,

Quase não falo,

Prefiro tocar flauta

E sentir paz quando me calo,

Mas qual não foi a minha sina,

Apaixonar-me por um centauro

Que corria disparado na ravina!

Era linda a sua crina dourada,

O seu torso de homem claro

E seu faro logo me descobriu

Como se eu fosse uma égua na baia,

Por mais que eu deseje que esta paixão saia,

Ela me domina:

Fogo que veio no vento,

No sopro de suas narinas,

Quando eu o quero manso e angélico,

Ele é bruto

E me bate com os cascos;

Quando eu o quero viril e bélico,

Ele larga o arco

E me afaga com palavras doces

E desde então

Vivo vagando pela campina

Com o corpo doído

E a alma machucada

Pois nunca pensei que fosse tão difícil

Amar ou ser amada.



Lendo A Arte da Poesia, de Ezra Pound, encontro uma definição incrível de poesia: “A poesia é um centauro. A faculdade intelectiva e aclaradora que articula palavras deve movimentar-se e saltar juntamente com as faculdades energéticas, sensitivas e musicais.” Criei então:


O poeta é um centauro:

A mente de homem

Aclara ideias,

Articula palavras

E as pernas de cavalo,

Cheias de energia,

Saltam no ímpeto da emoção.


O poeta é um centauro:

Alimenta-se de carne crua,

Bebe vinho,

Embriaga-se

E depois chora

Arrependido

Fazendo brotar fontes

Com a pancada de seus cascos


O poeta é um centauro:

Uma força bruta,

Que rapta,

Violenta,

Cega

E depois se põe a serviço

Do bom combate.


Dante Milano, poeta carioca, que sabe como expressar a dor da existência, escreveu um poema chamado “Fuga do Centauro”. O “centauro” surpreende a mulher, mistura de santa e prostituta, com um embate impiedoso, cheio de luta e prazer. Terminado o ato sexual, ela, carente, com

lágrimas na face, implora que ele fique, que não a abandone, mas ele foge. Transcrevo trecho:


Fui beijá-la e dei dentadas.

Havia sangue em seu gosto.

Espanquei-a com carícias,

Massacrei-a de delícias.

Arrastei-lhe o corpo exposto,

Nua, o gesto descomposto,

E pus-lhe as patas no rosto.

Ela dava gargalhadas.



Poesia pura, feita de músculos, pegada, coração e melancolia de centauro.


Centauros e poetas são mesmo temíveis aos mortais

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