
Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de crônica com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com "O Bolo de Natal de Pipoca".
O bolo de Natal de Pipoca
Esparramada no chão da cozinha, com a boca salivando, Pipoca antecipava o cheiro gostoso de bolo assado que em breve invadiria todo o ambiente. Esse ano, sua Tutora, meio bruxa, queria experimentar uma receita nova e especial. Sentada à mesa, ela estudava com atenção o seu grimório. Para os não iniciados em assuntos de bruxaria, grimório é um livro que toda a bruxa que se preze usa para anotar feitiços, encantamentos e receitas de poções mágicas.
O grimório foi aberto na página com as instruções de como fazer uma mistura geradora de prazer e felicidade. A fórmula mágica se chamava bolo de Natal com nozes e damasco, ou simplesmente, bolo de Natal da vovó.
Pipoca, fiel escudeira, se mantinha deitada num tapetinho estrategicamente posicionada perto do fogão. Há algum tempo a cachorrinha não conseguia mais segurar o xixi e molhava-se toda. O pelo da fox paulistinha, antes branco com manchas pretas, agora estava ficando caramelo, manchado pelo xixi. Situação triste para Pipoca e sua Tutora que precisou proibi-la de subir no sofá da sala. Logo ela que gostava tanto de dormir no sofá.
Mesmo com a saúde precária, Pipoca continuava com a gulodice de sempre. A cachorra ansiosa e com a expectativa de ganhar algum petisco, chorava pedindo comida. Incomodada com a insistência da cachorra, a Tutora colocou fones de ouvido para escutar música. E com sua varinha mágica mandou um raio paralisante de som em direção a cachorra. Agora, Pipoca podia chorar, latir e até mesmo uivar sem emitir nenhum som audível.
Enquanto mexia a massa do bolo, a Tutora pensou como seria bom se a cachorrinha não se molhasse mais de xixi. Ela sabia que a lei natural estava apenas sendo cumprida. E na verdade, só tinha que agradecer pela amizade e pelos bons momentos compartilhados. E olha que a Pipoca sempre foi arteira. A Tutora lembrou do dia em que ela subiu na mesa da cozinha e roubou um bolo de laranja, recém-saído do forno e ainda quentinho, preparado pelo genro. Aquela vez, quase deu divórcio na família.
Com mão boa para cozinha, a Tutora gostava de improvisar e modificar as receitas. Movida pelos sentimentos de gratidão e carinho, ela resolveu acrescentar dois outros ingredientes a receita original. Precisou ir busca-los na câmara secreta, onde fazia seus feitiços. Pouco depois, voltou para cozinha trazendo dois frascos, um com pó branco, parecido com fermento e outro com líquido de cor lilás.
Ela olhou para a cachorrinha toda molhada de xixi, e que gulosa por comida, continuava chorando, mas sem fazer barulho. A Tutora mentalizou uma boa intenção e
despejou quase toda a mistura na forma de bolo. E com o pouquinho da massa que sobrou, fez um mini bolo especial para Pipoca. No bolo de Natal ela adicionou duas pitadas do pó branco, e no bolinho de Pipoca três gotas do liquido lilás.
E a magia se fez. A cozinha foi inundada pelo cheiro gostoso e irresistível do bolo de Natal da vovó. O aroma estava tão bom, que mesmo ainda sendo véspera de Natal, todos em casa queriam provar o bolo da vovó. Mas, a Tutora de Pipoca foi categórica:
— O bolo é de Natal! Ninguém vai prova-lo antes da hora. Só vou servi-lo à noite. Depois da nossa ceia em família.
Todos reclamaram, menos Pipoca que já comera o seu bolinho, e agora estava deitada no sofá de barriga cheia. Alegre e faceira, com o pelo branquinho e pronta para mais um Natal em família.
— Mas, porque ela está tão quieta? Parece que mexe a boca e não faz barulho. Perguntou a filha da Tutora, intrigada com o comportamento esquisito de Pipoca.
Foi ruim, mas foi bom. A Tutora havia esquecido de desligar o raio paralisante de som. Fora esse pequeno imprevisto, todo o resto foi um sucesso. A receita deu tão certo, que a Tutora, ou seria, a Bruxa Mentora, acrescentou em seu grimório as inovações feitas nos bolos de Natal da vovó e da Pipoca:
“Três gotas da poção de Ziriguidum lilás proporcionam a sensação de felicidade plena por um dia. Contudo, depois de 24 horas, o feitiço perde o efeito e o enfeitiçado volta ao normal. PS: aconselho usá-la com moderação e sabedoria, somente para casos muito especiais”.
“Duas pitadas de pó de Bendizer despertam o sentimento de gratidão e reconhecimento pelos os dias vividos. PS: esse pozinho pode ser utilizado à vontade e combina com qualquer receita, inclusive aquelas mais simples, do dia a dia”.
Gostei muito!
Marcelo Miranda de Oliveira
Campinas SP
Viajei nesse texto. Parabéns.
Norma Lourenço
Belo Horizonte MG