Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de crônica com a poeta e escritora de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com "Morro São Sebastião-Ouro Preto, quadro de Elias Layon
MORRO SÃO SEBASTIÃO-OURO PRETO, QUADRO DE ELIAS LAYON
Raquel Naveira
Uma cena veio à minha mente: a professora colocava à nossa frente, num pedestal de ferro, um rolo com diversas imagens e gravuras. Ela escolhia uma que era grande surpresa para nós e dizia: “_ Descrevam este quadro. Comecem com a palavra ‘Vejo’ e detalhem tudo: os objetos, as pessoas, o lugar. Coloquem suas sensações, o que vocês percebem nas luzes, nos olhares, nos gestos. Tudo é importante. Registrem como se vocês pudessem fotografar esse instante.” Ah! Como eu gostava desse exercício. Logo começava a tarefa como se tivesse uma máquina de filmar em punho, pois imaginava sempre possíveis movimentos.
Tenho agora uma paisagem do Elias Layon (1950), o mestre do neobarroco, o “Pintor das Brumas”, lá de Mariana, Minas Gerais, diante de mim. Chama-se “Morro São Sebastião-Ouro Preto”. Todas as características marcantes do artista estão nessa fresca tela: a poesia de uma antiga cidade colonial; o mundo desaparecendo na neblina, abrindo portais; a magia de um espaço permeado pelo mistério daquilo que se eterniza.
Do alto do morro se tem uma bela vista da Praça Tiradentes, talvez no começo da manhã, quando uma toalha fina de cristais cobre todo o vale lá embaixo. Vemos claramente o local onde a cabeça do mártir da independência, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes ( 1746-1792) foi exposta. Que lembrança horripilante. Penduraram a cabeça para inibir outros movimentos contra a Coroa Portuguesa. Foi inútil. O sangue vertido regara o sonho da liberdade. Hoje, a estátua em bronze do herói está de costas para aquela que era a residência oficial do governador. Os prédios em volta são imponentes: a casa da Câmara e Cadeia, o palácio e um admirável casario caiado de branco. É o coração de Ouro Preto captado pelas minhas lentes e pelas pinceladas rápidas de Layon. Os contornos não são nítidos. São manchas, pontilhados em estranha mistura ótica. A impressão de pureza veio com o nascer do sol.
As cores fortes estão nos tufos de flores alaranjadas e amarelas; na cerca onde um casal de araras, de penas vermelhas e azuis, pousaram, enamorados; na mochila vermelha a tiracolo da menina de cabelos presos em rabo de cavalo; do menino de boné e sacola verde. De onde vêm? Para onde estão indo? Descendo em direção à escola, pelejando com os girassóis? Extasiados com a natureza que muda a cada toque de brisa nas folhas?
Mais distante, outro menino solta uma pipa que se desgarrou entre as nuvens. Talvez ele segure ainda a linha do destino entre as mãos. Talvez seja a ânsia de se elevar, de se perder pelos pastos do céu. A infância... quanta percepção sensorial. Quanta adesão à realidade sensível. A infância interessa a essa pintura poética, ligada à memória e à saudade. Esse recorte de inocência é atitude estética por excelência. Eu mesma volto a ser a menina que fui descrevendo esse quadro.
Afasto-me para observá-lo melhor. Quanto mais longe, menos imprecisão e impermanência. Mergulho nessa atmosfera de névoa e melancolia, que se corta com faca, criada por Elias Layon.
Texto espetacular! Parabéns, talentosíssima Raquel Naveira!!!
Crônica e pintura sensíveis, lindas...
Quadro e crônica esplêndidos.
Raquel Naveira, quanto mais escreve mais luminosa se torna.
Acho essa escritora fantástica!
Flávia Monteiro Días
Ponta Grossa PR
Incrível demais. Parabéns
João Paulo Pontes