Quinta-feira, no Blog do Alex Fraga, dia de crônica da escritora e poeta campo-grandense Raquel Naveira, com sua "Música Paraguaia".
MÚSICA PARAGUAIA
Sou uma alma da fronteira. Nasci naquele lugar onde o Brasil é Paraguai. Ouvir as canções paraguaias, o som das violas, das guitarras e das harpas encharca meu peito de recordações.
Como são lindas as músicas que formaram o meu imaginário: a índia de cabelos negros caídos pelos ombros e lábios de rosa; a força do primeiro amor, dos primeiros beijos e confissões; a desilusão das perdas e dos desencontros; a beleza do lago de Ypacaraí; as borboletas, panambis de asas brilhantes, vagando pelos bosques; os caminhos explorados nos lombos dos cavalos; as paisagens de camalotes e chalanas do rio Paraguai entrecortando o Pantanal, formando canais, alcançando Assunção, onde marinheiros vestidos de azul desciam a Bacia do Prata.
As letras vinham em idiomas misturados: ora o guarani, ora o espanhol, ora o português, num amálgama de tradições e visões de um mundo americano. As danças dos casais no ritmo das polcas, das galoperas, o cântaro de barro equilibrado na cabeça da moça vestida de renda nhanduti, rodopiando e balançando a saia, são lembranças que emocionam.
A música paraguaia escuma melancolia por todos os meus poros, mas há uma em especial que resume a força desses sentimentos: “Saudade”, de Mário Palmério.
Mário Palmério foi um compositor mineiro, professor, político, autor dos romances regionalistas Vila dos Confins e Chapadão do Bugre, homem de cultura e prestígio, que substituiu Guimarães Rosa na Academia Brasileira de Letras. Foi nomeado pelo presidente João Goulart para o cargo de embaixador do Brasil junto ao governo do Paraguai. Permaneceu nessa missão, integrando-se no seio da intelectualidade paraguaia, até abril de 64, num intenso trabalho de aproximação e amizade entre os dois países.
Contam que, certa vez, lhe perguntaram o que era “saudade”, palavra exclusivamente portuguesa e ele então explicou que para saber o que é saudade é preciso antes de tudo conhecer, viver um amor puro e terno. Só depois de ter perdido esse amor é que se compreende o que é saudade, pois saudade é solidão, distância e sofrimento.
Imagino Mário Palmério ao piano, entre lágrimas, expressando em música e poesia a forma e o conteúdo da mais perfeita e bela das palavras: “saudade”. Essa saudade que fica tão grande quando estamos longe da terra que amamos, cheia de árvores e lembranças.
Sou uma alma da fronteira. Meio bugra, meio índia, que não vê saída para o mar. Trancafiada dentro de mim a saudade é uma sensação de sempre e de nunca mais.
Raquel, querida, há muito tempo você aquece meu coração com a sua poderosa sensibilidade de poeta e cronista. Obrigada por essa bela crônica que trouxe de volta para mim antigas e saudosas recordações. Maria Gessy