Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de crônica com a poeta e escritora de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com Gaivota.
GAIVOTA
Raquel Naveira
Em terras cariocas, na eterna busca do autoconhecimento, escolhi um símbolo para meu ser interior: a gaivota, essa ave oceânica, de plumagem branca, cabeça preta e penas cinzentas nas asas. Sobe e desce pelos ares; bica a superfície da água à procura de peixes, insetos e moluscos; alça voo novamente rumo à linha do horizonte; roça a areia com as patas e as pontas das asas.
Descobri que há muito, muito tempo, a gaivota vive em mim. Quando criança, visitava Macaé, cidade do norte do Rio, hoje conhecida como cidade do petróleo, depois que a Petrobrás a escolheu para sediar a base da Bacia de Campos. Mas naquele tempo ainda não havia ouro, muito menos ouro negro, apenas os grãos amarelos da praia de Imbetiba, pertinho da casa de meus avós. E havia a rasante das gaivotas em direção ao Pico do Frade e às ilhas de um arquipélago distante. Íamos num barco pequeno, meu tio Fernando, que eu considerava um velho lobo do mar e eu, em silêncio, ouvindo apenas o baque surdo das ondas e observando as acrobacias das gaivotas gigantes. Ancorávamos numa das ilhas, onde se erguia um farol. Eu o imaginava aceso, um grande facho chamando navegantes perdidos, indicando a passagem entre os rochedos. Um farol luminoso como uma lanterna ou um anel de brilhantes.
Em Quissamã, região onde, desde o século XVIII, cultivava-se cana-de-açúcar, recordo-me do cheiro acre de vinhoto e bagaço, do casarão da usina em que meu avô trabalhou toda a vida para um grupo açucareiro poderoso, que pertenceu aos antigos barões de Araruama, nome de uma das lagoas do lugar. Lá eu visitava com meus primos as fazendas coloniais, com longos caminhos de palmeiras e praias selvagens coalhadas de gaivotas.
Quando adolescente, naquela fase em que somos leitores ávidos, entregues aos livros como se fossem os primeiros amantes, apaixonei-me pelo Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, parábola universal que inspira atitudes otimistas, coragem de lutar por nossos sonhos. Uma aventura inesquecível. Uma história emocionante sobre a liberdade e os prazeres de voar.
Agora sei: sou gaivota. Escrevi este poema:
“Mudei minha rota:
Agora sou gaivota
Sobrevoando o mar.
Saí de uma nuvem preta
Carregando meu destino
De gaivota,
Devota da poesia
Que busco no topo das montanhas
E nas luzes dos faróis.
O meu voo é leve,
Virei ave viajante,
Com uma linguagem tão forte
Que abre portas no céu.
Eu via coisas,
Escutava,
Compreendi logo:
Havia uma magia,
Um presságio,
Eu voaria alto
Para onde a imaginação me levaria,
Puro conhecimento.
O dom da palavra,
A luta com a serpente,
A inaceitável derrota,
Tudo me sufocava
E eu estava quase morta.
Restaram-me apenas
A personalidade sonhadora,
A alma ancestral
Parabéns, gaivoteando poesias