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Crônica - Florzinha do Sertão, por Rogério Fernandes Lemes



Domingo no Blog do Alex Fraga é dia de poesia com o poeta e escritor de Dourados (MS), Rogério Fernandes Lemes, com Florzinha do Sertão.


FLORZINHA DO SERTÃO

Rogério Fernandes Lemes


Depois de andar por vários dias, sob um sol abençoado de escaldante, Raimundo Nonato não se sentia como os outros que viam apenas as intempéries do Sertão. “Homens de dores”! Cresceu ouvindo isso de sua avó. Mas ele pensava diferente. Ele via beleza no simples e constatado fato do sofrer. Sofrimento, para Raimundo Nonato, era o mesmo que privilégio. Não que ele era favorável ao sofrimento das pessoas. Não senhor. Longe disso. O que via, Raimundo Nonato, era o privilégio de se estar vivo. Ora, somente sofre quem está vivo. Essa era sua máxima. É claro que, por pensar dessa forma, Raimundo Nonato era mal visto no vilarejo. Enquanto os homens descansavam ao cair da noite, após um dia sofrido na lida, Raimundo Nonato contemplava o cintilar dos pirilampos, que imitavam partículas subatômicas; ora aqui, ora ali em um existir e desistir constante no sofrido chão do sertão.

Raimundo Nonato andava diuturnamente. Ele sentia era necessidade de andar nesse “mundão de meu Deus”. Quando não andava entristecia-se profundamente.

Alguém, certa vez, disse que ele pararia de sofrer no dia em que encontrasse a “sua” resposta. Isso até que fez lá sentido na cachola de Raimundo Nonato.

Outros afirmavam que a tal “resposta” era uma gadeiúda qualquer. Para quem não conhece gadeiuda é toda e qualquer mulher de cabelos compridos. Mas ele não entendia dessa forma não. De algum jeito sentia que a sua “resposta” estaria ancorada em algum porto muito especial. Foi assim que, de tanto andar, Raimundo Nonato ouviu, por dizer, de um lugar que, certamente, seria seu porto destino. Esse lugar, segundo os dizeres mais antigos, se formou de tanto o vento do Sul reunir as incontáveis folhas secas do sertão. Por tal motivo, os vaqueiros se referiam ao lugar como o “porto das folhas”. E era pra lá que Raimundo Nonato gastaria todas as suas energias andando, caminhando e cantando... e seguindo a canção.

Certo dia, logo após o cair da tarde, quando mulheres e crianças descansavam embaixo das sombras arbóreas, Raimundo Nonato foi impactado com tamanha beleza. No meio do sertão estava uma flor exuberante. Macia, delicada, cheirosa. Raimundo Nonato encantou-se de dar dó. Deu-lhe um nome literário, ou artístico: a Florzinha do Sertão.

Ele sentiu amor por ela e, dali por diante, amou-a como a lua ama o mar.

Foram dias intensos, pois Raimundo Nonato sabia que as flores, sejam elas desta ou daquela espécie, todas nascem, crescem e deixam de existir.

Mas seu amor não haveria de morrer com ela, pois sua florzinha viveria em seus pensamentos, em seus escritos... em sua existência e, portanto, estariam ligados para sempre.

Passou com ela o calor implacável dos dias; o frio inexplicável das noites; a umidade devastadora das chuvas e os cortantes ventos de agosto. Raimundo Nonato não se importava nenhum pouco. Bastava apenas ela; sua presença... seu cheiro. Conversaram sobre coisas de foro íntimo, impensáveis.

Riram, choraram, silenciaram-se mutuamente, mas sempre margeados pelo calmo, paciente e indivisível amor.

De tanto entregar-se a ela, certo dia, Raimundo Nonato ouviu sua voz: “você gosta de mim Raimundo”? Amo tudo em você, dizia ela todo convicto. “Te admiro, Raimundo Nonato, por sua inteligência.

Você é diferente de todos que já conheci”. Ao virar-se para vê-la percebeu que sua doce voz se emudecia, lentamente. Então, observou que suas folhas haviam secado e caído. Raimundo Nonato fez menção de chorar e foi docemente confortado: “se avexe não ‘homi’. Minhas folhas precisam cumprir sua jornada... elas reunir-se-ão em um lugar muito especial: Porto da Folha”.

Raimundo Nonato encontrou suas respostas. Seu coração se acalmou e nunca mais foi visto nem aqui, nem acolá.

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