
Sábado no Blog do Alex Fraga é dia crônica com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com "Diário de uma pessoa bem jovem".
Diário de uma pessoa bem jovem
Hoje foi um dia inesquecível em minha vida. Conheci alguém muito especial. Nem tenho palavras para dizer o quanto ele bagunçou comigo.
Nós temos quase a mesma altura. O sorriso dele é lindo, parecido com o meu. Aliás, ele fica rindo o tempo todo. Eu também sou sorridente, mas não consigo rir sem parar como ele. Modéstia à parte, desde que me entendo por gente e fico em pé nas pernas, eu danço muito bem. Porém, ele tem um jogo de cintura diferente e irresistível que eu nem sei explicar.
Eu perguntei o seu nome, mas não quis me responder. Disse que o nome era meio esquisito e que eu riria dele. Parece que os pais não estavam muito inspirados quando escolheram o nome. Depois de eu tanto insistir, ele falou bem baixinho em meu ouvido, não o nome, apenas o apelido e o sobrenome.
— Kakakaka! Eu não aguentei e comecei a rir. Nunca vi apelido com sobrenome tão bobo. Se o apelido é assim, imagina como deve ser o nome da criatura?
Acho que eu estraguei tudo. Muito envergonhado, ele tornou-se evasivo. Logo eu que gosto tanto de abraçar e apertar. Agora, cada vez que eu encostava nele, rapidamente ele desviava o seu corpo do meu.
Chegou uma hora que me cansei desse comportamento arredio e até fiz um biquinho com cara de choro. Então, ele deu uma trégua e para puxar conversa comigo, disse:
— Acho que está na cara, mas se você não percebeu, eu sou de sagitário. Nós sagitarianos somos bichos soltos. Bom, nem todos são assim, na minha família só os membros mais antigos conseguem ser bichos soltos. Eles vivem livres num lugar chamado Tessália. Eu fui azarado, nasci no ramo moderno da família e que não tem quase liberdade.
A conversa foi ficando muito séria para um primeiro encontro. Eu só queria abraçar, apertar e lhe dar uns beijinhos. Mas, ele queria desabafar comigo e eu a continuei escutando.
— Eu comecei a trabalhar como manequim de vitrine. Ainda sou bem afeiçoado, mas esse tipo de trabalho tem prazo de validade. Depois de um tempo somos trocados por outro mais novo. A vida em seu vai e vem é uma constante prova de superação e eu balanço, mas não caio. Então, precisei me reinventar e agora sobrevivo como recreador infantil.
— E nem posso reclamar. Tenho amigos que trabalham no comércio. Eles ficam o dia inteiro se virando para chamar a atenção de possíveis clientes. Ainda por cima, não possuem a mínima estabilidade no emprego. E se o vento não soprar a favor, são demitidos sumariamente por não atingirem as metas de vendas.
Depois dessa conversa, sinto que agora lhe conheço um pouco melhor. Acho que nosso primeiro dia juntos foi muito divertido. Amanhã vamos nos encontrar novamente e aí lhe pego de jeito. Ele que não pense que vai ficar se escapando de mim como fez hoje.
Ah! Só para esclarecer, eu ainda não sei ler, nem escrever, porém parece que meu novo amigo tem um crachá grande com sua foto, nome, apelido e até o sobrenome. Ele se chama:
UNICÓRNIO DE PLÁSTICO. Modelo: JOÃO BOBO.
PS. Eu ganhei de presente de aniversário. Daqui dez dias faço um ano de vida.
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