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Foto do escritorAlex Fraga

Crônica - Caminho, por Raquel Naveira

Quinta-feira no Blog do Alex Fraga é dia de crônica com a poeta e escritora de Campo Grande (MS), Raquel Naveira, com "Caminho".

CAMINHO

Raquel Naveira


Assim como Cecília Meireles confessou em flash de João Condé na revista O Cruzeiro de 1955, que “não praticava nenhum esporte, mas que gostava muito de caminhar e achava que seria capaz de dar volta ao mundo a pé”, eu também. Gosto de seguir pelas ruas, pelas avenidas, pelas margens dos trilhos. De tocar nos troncos das árvores. Sou da estirpe dos andarilhos, dos peregrinos, dos forasteiros. Ando bem e rapidamente pelas vias do tempo. Sinto-me sempre estrangeira. Não caibo aqui, mesmo sendo minha terra, mesmo sendo meu destino.

E avanço, adianto-me com o peito para a frente, navego estendendo velas brancas. Não posso parar. Parar não paro. Esquecer não esqueço. Nem dos meus sonhos, nem da minha fé, nem do desejo que tenho de forjar meu caráter. Pago caro por isso. Às vezes, como um beduíno, penetro desertos, vales da morte cheios de escorpiões. Outras vezes, como um louco Ahasverus, o judeu errante, o coureiro condenado a vagar pelo mundo sem nunca morrer, até a volta de Cristo, até o fim dos tempos, arrasto-me em direção a um oásis onde possa descansar antes de seguir. Se, depois, alguém da caravana me obriga a caminhar mil passos, vou com ele dois mil. Obedeço à voz do mestre nessa estranha passagem pelas dunas.

O poeta norte-americano, Robert Frost, escreveu um poema sobre o caminho que não tomou, sobre o drama da escolha entre duas possibilidades. A dor da renúncia. Vejo-me então mergulhada naquele bosque amarelo, em pleno outono, quando a estrada subitamente se bifurcou. Os dois eram caminhos prováveis, mas um era mais selvagem, mais íngreme e foi esse que tomei. Isso fez toda diferença. Calquei o caminho da poesia e já não posso voltar atrás. Optei por um caminho e vivo agora a nostalgia de tantos outros. E nem era inocente. Estudiosa de Camões e Pessoa, leitora de Manuel Bandeira e Mário de Andrade, sabia bem o que no fim esperava os poetas: dores, descaso, penúria, quartos de hotel, glórias frias. Encruzilhadas que geraram dúvidas. Que me levaram a tropeçar naquela pedra que tinha no meio do caminho, enquanto contemplava as estrelas.

John Kennedy, na sua posse como presidente dos Estados Unidos, em 1961, convidou Frost, então com 87 anos, para discursar na cerimônia. O projeto era de uma idade de ouro do poder e da poesia. Afinal, “havia promessas a cumprir/ e milhas e milhas e milhas antes de dormir”, como cantara o bardo. Mas na hora de declamar o poema, o velho poeta ficou ofuscado pelo sol e, de olhos fechados, selou o signo da tragédia que se anunciava: sua morte, como a de um cisne e a bala na cabeça do jovem líder.

Quero caminhar por uma estrada real, direta, reta. Vencer a sedução de me afastar, de conhecer campos e me embriagar nas vinhas. Tenho pressa. Urgência. Meus passos são largos. Correrei. Já deixei tantas coisas para trás: pessoas, festas, fogos de artifício, imagens, falsas crenças, ilusões, vaidades. Como aquele coelho branco do conto Alice no país das maravilhas, seguro um relógio na algibeira e não posso me atrasar. Não vou me desviar, nem procurar atalhos, nem me distrair com chás, risadas entre as folhas e cascalhos brilhantes. Só me prendo a essa vereda pela qual me decidi, neste grande sertão. Vou à capital encontrar o rei. Não sentirei fadiga até encontrá-lo. Ele é o caminho.

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