
Bobagem, Paulo, bobagem
Saio de casa pro trabalho pensando na incredulidade da morte repentina do Paulo Pestana. Vario entre ir ou não despedir-me dele.
O carro segue. A vida segue. Milhares de outros motoristas à minha volta sequer imaginam que eu tenha perdido um amigo. E vario entre ir ou não despedir-me dele.
A indecisão me faz perder a entrada para o caminho mais curto que me levaria ao local onde acontece a despedida. Olho os ponteiros do relógio de pulso. A hora bate com o que mostra o painel digital do carro. É tarde. Não vou.
Súbito, reflito, olhando meus olhos no espelho retrovisor: tarde pra quê? Concluo no silêncio que ocupa o meu pensamento que o tempo é uma bobagem. E decido ir, mesmo fazendo um trajeto mais longo.
Estar lá, hoje, é o que dá sentido à amizade que construímos ao longo dos anos. Penso que ele iria gostar de saber que estive lá. De onde quer que ele esteja agora saberá que desviei o caminho para vê-lo.
Chego. Estaciono o carro. Confirmo o número da capela. Caminho pelas calçadas do cemitério. Encontro pessoas conhecidas. Amigos de profissão tão assombrados quanto eu com aquela partida desavisada.
Ok. Ele ali já é só uma lembrança do que foi entre nós. Me recolho. Improviso uma oração silenciosa. Fiz bem ter desviado o caminho.
Antes de ir embora entrego um abraço aos filhos dele.
E ensaio palavras que contribuam para diminuir um pouco aquela tristeza. Mas não me iludo. Elas são só um desejo de alívio para a dor, eu sei.
Escrevo meu nome no livro de registros. Escrevo um pouco mais. Paulo agora é uma saudade, uma sensação de vazio no peito dos que aqui ficaram.
Viver é efêmero. Fiz bem em desviar o caminho. O tempo é uma bobagem.
Inorbel Maranhão Viegas
Brasília, 13/03/24
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