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Conto - Zé Pernilongo, por João Francisco Santos da Silva

  • Foto do escritor: Alex Fraga
    Alex Fraga
  • 5 de abr.
  • 3 min de leitura

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com "Zé Pernilongo:".


ZÉ PERNILONGO


— Sua irmã sempre foi bruxa!

Falou rindo. Num sorriso que mostrava seus poucos dentes encardidos de fumo e podres por cáries. Depois voltou a mastigar um pedaço de polenta doce e sorveu mais um gole da caneca com café. Hora da merenda e do descanso. Como é cansativo cavar poços d’água apenas com trado e pá. E o mais difícil da coisa toda é encontrar o local certo. Desde jovem, iniciava seu trabalho buscando no mato um pé de araçá, ou de goiaba vermelha. Tirava uma forquilha, e essa lhe guiava na procura do veio d’água. Foram tantos anos fazendo isso, que os poços e a bruxa teimavam em ser o seu restinho de memória.

Sentado na mesa da cozinha, em sua cabeça ele cavava um poço profundo no local indicado pela forquilha de araçá. Quase sempre dava certo. Às vezes não dava. O buraco ia com mais de quatro metros e ainda nada d’água. Zé Pernilongo, homem otimista, largou o farnel com os farelos de polenta e acendeu um cigarro de palha. Mexeu os lábios sem emitir som. Fazia sua mandinga de palavras secretas para brotar água no poço.

— Eu tenho 21! Não! Acho que estou com 23! A Iquinha é dois anos mais nova que eu. Com quantos anos ela está mesmo?

— Você tem 83, Zé. E minha irmã, apesar de meio ranzinza, nunca foi bruxa.

Zé Pernilongo gargalhou alto e gostoso. Quando se tem 16 anos e se apaixona, é como ser enfeitiçado por uma bruxa. Iquinha lançou um feitiço poderoso. O menino gastou a estrada de tanto passar em frente da casa da garota. Vê-la de longe lhe bastava para ganhar o dia. De perto as coisas ficavam mais complicadas. Difícil iniciar uma conversa com a linda bruxinha

— Ai que calore, meu amore! Foram as palavras mais românticas que conseguiu balbuciar para a menina que brincava na frente de casa.

— Vá caçar sapos Zé. Mas, cuidado que sapo come pernilongo amarelo igual você. Além de lhe escrachar, Iquinha ainda lhe mostrava a língua, antes de correr para dentro de casa.

Zé Pernilongo, sujeito meio esquecido, não lembra mais do dia que acabou o feitiço de Iquinha. Sobreviveu ao feitiço de uma bruxa tão bonitinha e quanto geniosa.

— É muito feio chamar a mulher de bruxa, parece que não gosta mais dela! Disse a cunhada, enquanto retirava a caneca de café e limpava a mesa com farelos de polenta.

Quem mandou ele ser tão persistente e otimista. Insistiu tanto para Iquinha lhe aceitar como pretendente. O primeiro feitiço foi breve. Terminou com Chico. Parto difícil,

até para uma jovem bruxa. Qual é mesmo a idade de Chico? Puxa, estava cada vez mais esquecido. Chico, meu primeiro e único filho, já ficou velho. Se duvidar tenho netos. Pensou consigo mesmo Zé Pernilongo.

— Ranzinzes também são coisas de bruxa. Disse Zé para a cunhada.

—Nisso você tem razão Zé. Por isso que existem tantas bruxas e sapos nesse mundo. Depois de um tempo o encanto acaba, aí o príncipe vira sapo e a princesa megera.

Zé voltou para dentro de seu poço. Os pés se afundaram no barro mole e úmido. Sentiu-se aliviado, dessa vez deu certo. Valeu a pena a persistência, chegou no veio d’água. Poço fundo, trabalhoso. Boa a sensação de conquista. Otimista inveterado, tinha certeza que o poço forneceria muita água. Mas, há veios fracos, que secam antes do próximo verão.

— Eu já tenho netos?

— Você tem seis netos, Zé.

— Tem certeza que a Iquinha me quis?

— Ih, cunhado! Estou ficando preocupada. Você ainda é muito novo para ficar assim, tão gagá!

Coitado do Zé Pernilongo. Vão-se as bruxas, ficam os enfeitiçados. Pensou a cunhada.

 
 
 

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05 abr
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❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿

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