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Conto - Vó de passarinho, por João Francisco Santos da Silva

Foto do escritor: Alex FragaAlex Fraga


Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com "Vó passarinho"


Vó de passarinho


Minha vó é vó de passarinho. Não, eu não sou passarinho. Sou menina. É que um dia, um casal de pardais escolheu o pé de primavera vermelha que tem lá do jardim da casa de minha vó para fazer de lar. Acho que eles deviam confiar muito em minha vó. Ela vive sorrindo. Passarinho gosta de alpiste, banho de mangueira e de sorrisos também. Na casa da vó não tem alpiste, mas tem sorriso e água no jardim todos dias. Às vezes, com sorte, quando as abelhinhas deixam, sobra uma jabuticaba para ser bicada por algum periquito sortudo.

Então, como eu ia contando, o casal de passarinhos trabalhou bastante e com folhas e raminhos fez um belo ninho para receber os filhotes. O ninho parecia perfeito para a familia. Só o meu tio que achou o ninho meio torto e mal-acabado. Minha vó falou que ele tem olhos de onça para encontrar defeitos em construções. Adultos complicam muito. Eu gostei do ninho, se eu gostei os filhotinhos também vão gostar.

Minha vó e minha tia, essas de tanto se preocupar, é que não aprovaram a novidade. Elas não confiavam nem na engenharia e nem no bom senso dos pardais. O ninho parecia tão frágil e capaz de cair com uma leve brisa. E com tanto lugar para fazer um ninho, foram fazer logo ali na vizinhança de gatos e corujas. Eu nem sabia que coruja comia pardal. Meu vô disse que não só come, como gosta muito. Eca!

Depois de algumas semanas, a mãe botou três ovinhos rajados. Minha mãe falou que todas as mães são orgulhosas e protetoras com suas crias. Diz que até a coruja é assim. É por isso que a mãe pardal estava tão feliz chocando seus ovinhos. E o pai pardal voava de um lado para o outro e pousava a distância, vigiando o ninho familiar.

Eu perguntei para minha mãe, porque o pai pardal não chocava os ovos também. Ela me disse que isso é combinação antiga. E que para dar certo cada um faz a sua parte na família. Meu pai e minha mãe até parecem pardais. Só que pardal não é barrigudo e sabe voar.

Finalmente, num dia feliz de primavera, os três filhotinhos nasceram. E eram três criaturinhas famintas. Que trabalheira o casal de passarinhos teve. Minha mãe disse que bebês dão trabalho mesmo, e é para isso que existem mãe e pai. Enquanto a mãe pardal ficava o tempo todo no ninho protegendo e aconchegando os bichinhos, o pai voava sem descanso, indo e vindo com alimentos para colocar nas boquinhas de suas três crias. Na verdade, eram três boconas gulosas. Minha vó não me explicou direito o que eles comiam.

Acho que ela não gosta de falar dessas coisas. Meu vô disse que eles adoram uma suculenta minhoquinha, e que também gostam de uma crocante asa de grilo fresca. Eca!

Bem-cuidados, os três pardaizinhos cresceram rápido. E todo o dia eu perguntava para minha tia quando eles iriam sair do ninho. Minha tia já não aguentava mais responder a mesma pergunta. Ela dizia que tudo tem seu tempo. E que uma criança como eu leva muito mais tempo para andar, que um filhote de passarinho para voar. Minha tia é muito inteligente. Só que ela não sabe que eu não faço a mínima ideia do que seja muito tempo para um adulto.

Tudo ia bem até aparecer um gato guloso. O bichano, muito astuto, há tempos estava de olho no ninho. O gato já era figura conhecida. Folgado, ele costumava dormir em cima do muro dos fundos do jardim. Minha tia não gostava quando minha vó lhe espantava. Acho que minha tia é tia de gato. Lembrei que o meu tio, também é tio de gato. Mas, isso é outra história.

Pois é, o gato teve a audácia de subir no pé de primavera da minha vó. Ele subiu determinado a jantar os três filhotes indefesos. Foi então, quando ele já estava prestes a dar o bote mortal sobre o ninho, que minha vó apareceu. Vocês nem imaginam o que aconteceu. Durante todo o tempo, minha vó estava atenta, e de longe ela protegia a família de passarinhos. Puxa como minha vó foi rápida e esperta! Ela pegou a mangueira do jardim e disparou um jato d'água fria bem na cara do gato malvado. Gatos odeiam água fria no pelo. Ele saiu em disparada e nunca mais apareceu nem a sombra dele por ali. Talvez o gato, arrependido da má conduta, tenha virado vegetariano. Melhor comer rúcula com coentro que levar banho d’água fria. Eca!

Ufa, que susto! Mas, o importante é que os filhotes estavam salvos. Minha vó foi uma heroína. E foi assim que, depois desse dia, minha vó virou vó de passarinho também.

 
 
 

2 Comments

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Guest
Oct 12, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Escreve muito bem. Parabéns.

Flávia Canto - Rio de Janeiro RJ

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Guest
Oct 12, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Muito bom. Memorável. Sugestivo para o dia. Parabéns.


Lurdes de Aquino

Campo Grande MS

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